quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Pão seco

É notícia no 24 Horas. Chamar cão seco custa 500 euros. O título é quase enigmático. Vamos aos factos sem mais demora. Os factos remontam a 2005. Em Vale de Cambra, o fogo lançava o caos nesse Verão escaldante. Os bombeiros andavam numa aflição, para conseguir chegar a todos os focos, que ameaçavam floresta, casas e populações. Acontece que, este vizinho resolveu usar a água de um tanque público, para regar feijões, em vez de deixar que os bombeiros a usassem para atacar os fogos. Os outros vizinhos reclamaram, a conversa azedou e de tal forma que este agricultor se terá virado para um deles, bramindo a enxada e ameaçando-o de morte. Frases que o jornal transcreve: “Eu hei-de matar-te” e “vais ficar com as tripas de fora”. Como na altura estava por ali a guarda republicana, a queixa seguiu para o tribunal.

E já vai longa a descrição. Vamos ao que importa. A Relação do Porto acha que não há matéria crime. A ver… Ameaçar que se vai matar alguém, sem dizer quando, não chega para uma condenação. Diz o acórdão, que não se pode concluir, que tais palavras queiram anunciar uma intenção de agressão, ou morte no futuro. Ora, se há coisa que tais palavras fazem, é isso mesmo – anunciar a intenção de agredir ou matar – num futuro incerto, ou até mesmo improvável, mas a intenção está lá bem expressa e anunciada. Adiante. Diz que, como não se dizia, como a lei exige, a data em que a hipotética vítima ficaria com as tripas de fora, não se pode falar em ameaça. Mas há mais. Há que, quando proferiu as tais palavras, que, como já vimos, não podem ser legalmente consideradas como ameaça, o agricultor de que falamos ergueu a enxada em direcção ao queixoso. E aqui, a lei é bem clara. Tratava-se de um mal a consumar no momento. Reparem nele, furioso, fora de si, enxada ao alto pronta a desferir o golpe decisivo no vizinho … É isso mesmo. E é por isso mesmo que não se pode falar em ameaça. Ou pelo menos, em crime de ameaça. A ter existido, seria um crime de agressão. O que não aconteceu. A agressão. Ou seja, ficou-se pela ameaça. Ou não. Afinal não. Ou seja, aparentemente tudo ficou pela intenção. Ou se quisermos, pelo exemplo. Como quem diz: se fosse para te desfazer a cabeça com esta enxada, seria mais ou menos assim, percebes? E isso é coisa que provavelmente seria muito desagradável e até deselegante… Mais por aqui. Não uma ameaça, portanto.

Mas falta o título e o título dizia que chamar cão seco custa 500 euros.

Porque acontece que, no meio da contenda, o nosso agricultor insultou o vizinho, chamando-lhe cão seco. Ora isso é que não pode mesmo ser. Por isso, a Relação do Porto condenou-o a 70 dias de multa, à taxa diária de 5 euros. Enfim, pelas minhas contas, 5 vezes 70 dá 350, o jornal fala em 500 euros de multa, deve ser com os emolumentos e outras custas… Não importa; o que conta mesmo é a decisão da Relação do Porto. Diz que referir, mesmo em tom exaltado, que se vai pôr as tripas ao sol a alguém ainda é o menos, (enfim, não é bem assim. Se o exaltado agricultor tivesse gritado: vou-te pôr as tripas de fora, depois de amanhã em sendo meio dia… aí a conversa seria outra, decerto…)agora chamar cão seco a uma pessoa e ainda, como foi o caso, a um ancião de mais de 70 anos de idade… isso prefigura uma conduta ilícita, com o propósito de ofender a honra e consideração públicas da vítima.

Se ao menos tivesse acrescentado um "com todo o respeito", ou um "sem ofensa"… agora cão, só assim e a seco… É crime.

Ah, já agora. No meio da confusão toda quem acabou por ficar a seco, foram os feijões. Com a barafunda que se instalou, o agricultor acabou por deixá-los sem rega, nesse verão escaldante de 2005.



Publicidade enganosa; é o que é.

Por isso é que a entidade responsável condenou a campanha e exigiu que fosse imediatamente suspensa e retirada das televisões. A campanha, em que o campeão olímpico Nuno Delgado e a apresentadora e actriz Adelaide de Sousa aparecem fazendo o elogio da Margarina e das Gorduras Vegetais.

Porquê margarina? Porque e as boas gorduras fazem bem ao coração. É o que diz a campanha. As boas gorduras são as de origem vegetal, em confronto com a manteiga, de origem animal, que, segundo a mesma campanha, é uma gordura má, que faz mal ao coração. E do que faz mal ao coração deve perceber, mais que ninguém, a Fundação Portuguesa de Cardiologia, que patrocina a campanha, juntamente com o Instituto Superior Egas Moniz. São as duas instituições tutelares… os rostos credíveis. O aval, que sustenta e pretende convencer os mais cépticos.

A campanha está um pouco por todos os meios de comunicação social. Começou em Julho. Agora a Lactogal – pelo nome suspeita-se que esteja ligada à indústria leiteira e daí, eventualmente, à produção de manteigas – gordura animal portanto, ou seja, a outra... apresentou queixa. A queixa seguiu para o Instituto Civil da Autodisciplina da Publicidade, que concorda que estamos perante um caso de publicidade enganosa. Esta de dizer-se que as boas gorduras – neste caso as margarinas vegetais – são saudáveis para o coração… Diz, o despacho do Instituto regulador da publicidade, que a campanha desrespeita os princípios da veracidade e da proibição de publicidade enganosa. Que quebra também as regras relativas às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos.

Ora, um responsável pela Fundação de Cardiologia, no caso, Luís Negrão disse ao jornal 24 Horas, que publicidade enganosa coisa nenhuma. Diz que, a Fundação promoveu as margarinas, que do ponto de vista nutricional e em termos de gordura são mais saudáveis que as manteigas. O médico sublinha, que o que está em causa é só essa comparação. Entre manteigas e margarinas. Diz que é forçoso que se desmistifique a crença, de que a margarina não presta para pôr no pão.

Ora, do que se sabe, o perigo maior das gorduras animais, vegetais, ou o que seja é justamente o cozinhado. Ou seja, aquecê-las acima de certa temperatura. Aí é que umas se revelam francamente mais criminosas que outras, se bem que nenhuma delas se recomende por aí além… em fritos. Isso. Agora em cru… O tal mito de que o médico fala, cheira-me que tem mais a ver com o poder de compra de cada um, do que com cuidados especiais de saúde. Sempre houve quem pusesse margarina no pão, simplesmente porque é mais barato do que manteiga. E isso é um facto histórico, perdoem-me os dietistas.

Mas voltemos aos argumentos do médico Luís Negrão, da Fundação Portuguesa de Cardiologia. Diz que, na campanha não se compara a margarina a coisas como, por exemplo, fruta ou produtos hortícolas. Aí haveria abuso, dizer-se que pão com margarina faz melhor ao coração que uma salada de couve roxa, ou uma fatia de melão de Almeirim… Mas não. Aqui, reafirma Luís Negrão, o que se diz é que a margarina, comparada com a manteiga de vaca, ou outro animal leiteiro, faz menos mal. Ou seja e citemos – “está cientificamente provado que as manteigas são mais prejudiciais à saúde do que as margarinas.” Ora, entre um mal menor e uma panaceia – como se anuncia - saudável para, no caso, o coração… vai uma distância considerável.

Não tão longe quanto isso, muitos de vós ainda se deve lembrar de campanhas um pouco semelhantes, em que se anunciavam as propriedades quase milagrosas de coisa como os ovos, ou até mesmo as batatas e o peixe congelado. Também na altura era em nome da saúde pública e do bem-estar de cada um, que se convidava o povo a comer ovos todos os dias, logo de manhã, em dejejum. Lembram-se do slogan? “Um ovinho pela manhã boa ideia da mamã” e “oh Pedro, não espremas a galinha!” Foi uma campanha de sucesso, esta. Um pouco pateta, às vezes, mas isso fazia parte da estratégia. Enfim, nunca tão pateta como essa outra mais recente ainda, em que se garante a perda de apetite, a quem beber não sei quantos litros de água mineral. Perder a fome, nem sei se será boa ideia, que o corpo precisa de se alimentar…Agora, para o resto, é bom de certeza. Não há nada que a água não lave. A cara, por exemplo. E os olhos. Olhos lavados vêem com mais clareza. Com mais frescura, pelo menos.

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