quinta-feira, 28 de abril de 2005

belfaghor

é como te digo:
tudo o que não foi,
será
& ninguém
está disso defendido!

tudo o que não foi; será?!... Posted by Hello

e inauguro então, assim, a minha galeria de imagens no ciber'spaço... Posted by Hello

cenas conjugais 3

António - Que estupidez!
Clara - Que é que disseste?
António - É uma estupidez!
Clara - O que é que é uma estupidez?!
António - O Tempo.
Clara - Que tem o Tempo?!...
António - A forma como passa...
Clara - ISSO é que é uma estupidez. O Tempo não passa; nós é que passamos.
António - Passamos?!...
Clara - O Tempo não começa nem acaba nunca. Limita-se a ser coisa nenhuma. Em sendo, é. E é tudo.
António - E nós é que passamos?! Assim mesmo, por coisa nenhuma?!
Clara - Rasgando no espaço rugas de memórias, angústias de muitas mortes...
António - E é tudo?!...
Clara - Pequenas vitórias, amores frustrados, paranóias metafísicas, a lei da selva...
António - Nem tu própria acreditas nisso!
Clara - Guerras de nervos, coisas que não funcionam, as vacas loucas, o vaticano, a peste negra e outras merdas...
António - És uma porca.
Clara - Vejo a realidade. É tudo.
António - És na realidade uma porca.
Clara - Penso nas coisas.
António - Continuo a pensar que és uma porca.
Clara - Não, António. A nossa vida é que se tornou uma porcaria...
António - Porca, porca, porca!!!
Clara - Não adianta. Nem que fiques aí o resto da noite a bater à porca.

cenas conjugais 2

António – Estás a rir de quê ?
Clara – De nada. Não me estava a rir
António – Então, se não estavas a rir, estavas a quê?
Clara – Estava a quê, o quê?
António – Não estavas a rir...
Clara – Eu não!
António – Então estavas a quê?
Clara – Estava a nada. Estava normal!
António – Normal a rir !
Clara – A rir, como?! Estava assim!
António – Assim não. Estavas com cara de riso.
Clara – Cara de riso?! O que é isso, cara de riso?
António – Não estavas às gargalhadas... Cara de riso. Um sorrisinho.
Clara – Querias que estivesse como?! Cara fechada, a rosnar e a espumar pela boca?!
António – Não sejas parva! Estavas com um ar de gozo. Carinha de riso. Um arzinho palerma...
Clara – Palerma és tu! Pois se não me dói nada, queres que chore?
António – Não te dói nada! Corre-te bem a vida, a ti, hem Corre-te bem a vidinha?
Clara – Não corre, nem deixa de correr. Mas que porra te deu agora?! Saí-te na rifa?

António – Vês?! Vês?! Eu não dizia? Aí anda coisa!.

cenas conjugais 1

Clara - Nunca percebi os garfos de peixe
António - Há países onde o peixe se come à mão sobre uma folha de jornal
Clara - Não é lá muito higiénico
António - Deve ser tradição
Clara - E antes de haver jornais?!...
António - Não sei. Isso já não sei.
Clara - Não me cheira...
António - O quê?
Clara - Essa da tradição. E antes de haver jornais?!
António - Não sei. Já te disse que não sei.
Clara - Em folhas de palma, se calhar. Era bem mais bonito. O peixe estendido sobre uma folha de palma. O lombo dourado exposto à maresia da praia. Um vento almiscarado perfumando o ar. Olhos perdidos no horizonte enquanto as pontas dos dedos, primeiro mal tocando, como uma carícia, depois agarrando uma ponta, uma pequenina ponta, soltando-a, fazendo-a separar-se do corpo abandonado em oferta, levando-a aos lábios num gesto demorado. A língua primeiro, a língua sentindo a macieza dessa carne, os dentes depois, roubando dos dedos essa pequena, primeira e única porção tímida e generosa que o palato haveria de envolver em homenagem e luxuria ...
António - Papel de jornal.
Clara - Dizes isso só por dizer. Eu acho uma porcaria.
António - São costumes, o que é que queres? Vi na televisão.
Clara - Deve ser...
António - Vi na televisão.
Clara - Deves ter...
António - ´Tá bem. Fica assim. E o teu peixe, está bom?
Clara - Aqui para o meio está um bocado mal assado.
António - É o que faz as pressas...
nunca fui de muitas falas
converseta muito pouca
nem quando o sono me chama
lhe respondo ou abro a boca

perguntas porque é que não
respondo quando perguntas
e perguntas com razão
ainda bem que me perguntas

não te dê muito cuidado
o que penso realmente
na vida penso um bocado
como quase toda a gente

se um dia lhe dissesse
se um dia lhe contasse
pode ser mas não parece
que d’pois ‘inda me falasse