António - Que estupidez! Clara - Que é que disseste? António - É uma estupidez! Clara - O que é que é uma estupidez?! António - O Tempo. Clara - Que tem o Tempo?!... António - A forma como passa... Clara - ISSO é que é uma estupidez. O Tempo não passa; nós é que passamos. António - Passamos?!... Clara - O Tempo não começa nem acaba nunca. Limita-se a ser coisa nenhuma. Em sendo, é. E é tudo. António - E nós é que passamos?! Assim mesmo, por coisa nenhuma?! Clara - Rasgando no espaço rugas de memórias, angústias de muitas mortes... António - E é tudo?!... Clara - Pequenas vitórias, amores frustrados, paranóias metafísicas, a lei da selva... António - Nem tu própria acreditas nisso! Clara - Guerras de nervos, coisas que não funcionam, as vacas loucas, o vaticano, a peste negra e outras merdas... António - És uma porca. Clara - Vejo a realidade. É tudo. António - És na realidade uma porca. Clara - Penso nas coisas. António - Continuo a pensar que és uma porca. Clara - Não, António. A nossa vida é que se tornou uma porcaria... António - Porca, porca, porca!!! Clara - Não adianta. Nem que fiques aí o resto da noite a bater à porca.
António – Estás a rir de quê ? Clara – De nada. Não me estava a rir António – Então, se não estavas a rir, estavas a quê? Clara – Estava a quê, o quê? António – Não estavas a rir... Clara – Eu não! António – Então estavas a quê? Clara – Estava a nada. Estava normal! António – Normal a rir ! Clara – A rir, como?! Estava assim! António – Assim não. Estavas com cara de riso. Clara – Cara de riso?! O que é isso, cara de riso? António – Não estavas às gargalhadas... Cara de riso. Um sorrisinho. Clara – Querias que estivesse como?! Cara fechada, a rosnar e a espumar pela boca?! António – Não sejas parva! Estavas com um ar de gozo. Carinha de riso. Um arzinho palerma... Clara – Palerma és tu! Pois se não me dói nada, queres que chore? António – Não te dói nada! Corre-te bem a vida, a ti, hem Corre-te bem a vidinha? Clara – Não corre, nem deixa de correr. Mas que porra te deu agora?! Saí-te na rifa? António – Vês?! Vês?! Eu não dizia? Aí anda coisa!.
Clara - Nunca percebi os garfos de peixe António - Há países onde o peixe se come à mão sobre uma folha de jornal Clara - Não é lá muito higiénico António - Deve ser tradição Clara - E antes de haver jornais?!... António - Não sei. Isso já não sei. Clara - Não me cheira... António - O quê? Clara - Essa da tradição. E antes de haver jornais?! António - Não sei. Já te disse que não sei. Clara - Em folhas de palma, se calhar. Era bem mais bonito. O peixe estendido sobre uma folha de palma. O lombo dourado exposto à maresia da praia. Um vento almiscarado perfumando o ar. Olhos perdidos no horizonte enquanto as pontas dos dedos, primeiro mal tocando, como uma carícia, depois agarrando uma ponta, uma pequenina ponta, soltando-a, fazendo-a separar-se do corpo abandonado em oferta, levando-a aos lábios num gesto demorado. A língua primeiro, a língua sentindo a macieza dessa carne, os dentes depois, roubando dos dedos essa pequena, primeira e única porção tímida e generosa que o palato haveria de envolver em homenagem e luxuria ... António - Papel de jornal. Clara - Dizes isso só por dizer. Eu acho uma porcaria. António - São costumes, o que é que queres? Vi na televisão. Clara - Deve ser... António - Vi na televisão. Clara - Deves ter... António - ´Tá bem. Fica assim. E o teu peixe, está bom? Clara - Aqui para o meio está um bocado mal assado. António - É o que faz as pressas...
nunca fui de muitas falas converseta muito pouca nem quando o sono me chama lhe respondo ou abro a boca
perguntas porque é que não respondo quando perguntas e perguntas com razão ainda bem que me perguntas
não te dê muito cuidado o que penso realmente na vida penso um bocado como quase toda a gente se um dia lhe dissesse se um dia lhe contasse pode ser mas não parece que d’pois ‘inda me falasse