Clara - Nunca percebi os garfos de peixe
António - Há países onde o peixe se come à mão sobre uma folha de jornal
Clara - Não é lá muito higiénico
António - Deve ser tradição
Clara - E antes de haver jornais?!...
António - Não sei. Isso já não sei.
Clara - Não me cheira...
António - O quê?
Clara - Essa da tradição. E antes de haver jornais?!
António - Não sei. Já te disse que não sei.
Clara - Em folhas de palma, se calhar. Era bem mais bonito. O peixe estendido sobre uma folha de palma. O lombo dourado exposto à maresia da praia. Um vento almiscarado perfumando o ar. Olhos perdidos no horizonte enquanto as pontas dos dedos, primeiro mal tocando, como uma carícia, depois agarrando uma ponta, uma pequenina ponta, soltando-a, fazendo-a separar-se do corpo abandonado em oferta, levando-a aos lábios num gesto demorado. A língua primeiro, a língua sentindo a macieza dessa carne, os dentes depois, roubando dos dedos essa pequena, primeira e única porção tímida e generosa que o palato haveria de envolver em homenagem e luxuria ...
António - Papel de jornal.
Clara - Dizes isso só por dizer. Eu acho uma porcaria.
António - São costumes, o que é que queres? Vi na televisão.
Clara - Deve ser...
António - Vi na televisão.
Clara - Deves ter...
António - ´Tá bem. Fica assim. E o teu peixe, está bom?
Clara - Aqui para o meio está um bocado mal assado.
António - É o que faz as pressas...
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