sexta-feira, 2 de novembro de 2007

O medo passeia-se tranquilamente pela avenida. Leva pela mão a desconfiança e a má consciência…
Descem tranquilamente pela avenida. Param perante o aparato policial. Uma brigada fecha o trânsito e monta o dispositivo necessário à operação: neutralizar um saco suspeito, abandonado na via pública. Quase que se ouve o tique-taque da bomba! Ou será o coração, que bate mais forte, com a expectativa?... A explosão desfaz o susto em mil pequenos destroços… farrapos queimados de roupa interior e objectos pessoais não identificáveis espalham-se pelo chão. Pelo menos, não identificáveis como qualquer tipo de ameaça real e perigosa…
Foi no Porto, na rua Passos Manuel, como podia ter sido, na rotunda da Boavista… onde aliás, também já aconteceu.

No Porto, em Faro… o medo gosta de passear e ver gente. E foi á feira de Santa Iria, no Algarve.
O homem estava a fotografar as crianças que se empoleiravam no carrossel. Diz que é costume ir até à feira, tirar fotografias, porque acha que é um sítio que dá boas chapas… muita cor, animação, gente feliz… E estava nisto, quando o medo lhe bateu no ombro e o convidou a identificar-se. A desconfiança, por esta altura, jogava à cabra cega com a má consciência… Avançou de olhos fechados e foi esbarrar com o homem que tirava fotografias. Achou que devia ser um pedófilo, para estar a fotografar crianças num carrossel… com o que se diz e conta por aí, só podia ser…
Levaram-no para a esquadra, já sem grande cerimónia, garante o arguido e quiseram saber tudo. O que estava a fotografar e se tinha ou não inclinações ou tendência pedófilas… Oficialmente, o delito em causa é fotografar, sem licença dos próprios, pessoas na via pública… neste caso, crianças. O que, ao que consta, torna tudo mais suspeito.
A notícia vem em vários jornais desta sexta feira. E o medo deve estar bem satisfeito, por esta hora, com o andar da carruagem… é que – até podemos estar em presença de um sinistro violador de crianças - agora, a verdade é que se se desata a deter pessoas, que fotografam crianças em carrosséis… só assim , mesmo que movido por qualquer denuncia anónima ou identificada… abre-se um precedente que pode revelar-se difícil de gerir… pode vir mesmo a complicar a vida dos fotógrafos em geral, ou até mesmo os mais amadores dos turistas em férias.
No caso das crianças, o medo esfrega as mãos. A coisa parece bem encaminhada. Falta só estender a paranóia aos edifícios públicos…
Quem sabe a verdadeira intenção desse discreto octogenário que segura a kodak com mão trémula e a aponta, com ar suspeito, à fachada dos Jerónimos? E o Cristo rei, estará ele seguro, sob o fogo dos flashes?...

E, ao mesmo tempo e por outro lado, que sentido fará, um dia destes, as secções de perdidos e achados, que algumas empresas e autarquias têm, para devolver ao cidadão os objectos perdidos, esquecidos na paragem do autocarro, na esplanada do café?...
Talvez o medo saiba a resposta, mas agora não pode. Está muito entretido a ver como aqueles dois homens desmontam a pesada caixa Multibanco, para a levarem para casa.
Já tentaram com uns explosivositos artesanais, mas sem grande resultado. O que vale é que parece que têm a noite toda para o fazer. Por isso, alguém lembrou: “e se tentássemos com um catrapila?”
“Boa ideia”, diz o medo. A desconfiança não acha. Mas é normal. A desconfiança é sempre assim, sempre no contra…
A má consciência, como assaltos a Multibanco não a estimulam por aí além, foi para casa.
Foi dormir.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Em português não temos.
A palavra tablóide, estou em crer que entrou no vocabulário português, por causa de certa imprensa britânica. Nós por cá, ou lhe chamamos jornais de escândalos, para os distinguir dos que reputamos de referência, ou são revistas cor-de-rosa, quando a matéria publicada se centra nos esplendores e misérias de uma certa e auto-proclamada beautifull people.
Em Inglaterra não. Chamam-lhes tablóides e são muito populares e dá para escrever quase sobre tudo e de qualquer maneira. Como se o simples facto de se afirmarem como "tablóides" lhes conferisse o direito de o fazer – não o de escrever sobre tudo e mais alguma coisa, mas a prosa com que o fazem..
Ora bem: The Mirror é um tablóide e Tony Parsons é um dos escribas de serviço.
Pois escreveu Parsons, que a culpa é da polícia portuguesa e que o embaixador de Portugal em Londres é um alarve. Em português pode dizer-se alarve… em inglês, o que o senhor escreveu foi que António Santana Carlos, o embaixador português devia era – e cito – “manter fechada a sua estúpida boca de comedor de sardinhas" , isto se e volto a citar – se “no futuro não conseguir dizer nada de construtivo sobre o desaparecimento de Madeleine McCann". Fino recorte, o da prosa… que se adivinhava já no próprio título da artigalhada; voltemos às citações, no original, p'ra não ofender o bom gosto: "Up your's, Senor". Tirando o pormenor do “Senor”, que não rima com nada, o resto é uma expressão idiomática inglesa, ordinarota quanto baste…
Mas, ora bem, comecemos pela manifesta ignorância de línguas deste Tony Parsons. Em português escreve-se "senhor", com h depois do n… em espanhol escreve-se “señor” com til sobre o “n” o que faz que ele se leia “nhe”… Agora, “Senor”, nem o masculino de cenoura é! Pelo menos em português… Fica a revelação: pensava eu, até hoje, que só os Estados Unidos é que faziam estas pequenas confusões geográficas, de pôr tudo o que se mexa a sul da Europa a falar espanhol e fazer trejeitos esquisitos, mas ao que parece, alguma pequena Bretanha também estará um pouco a leste da realidade que a rodeia.
Ora bem, a crónica heróica e patriótica ( ia a dizer patética…) de Tony Parsons vem em resposta à entrevista, que o embaixador português deu ao Times. E o que é que terá indignado tanto o jornalista inglês, a ponto de o fazer confundir Portugal com Espanha, ou outro qualquer país onde se comam sardinhas?...
António Carlos Santana disse ao Times que estava preocupado com a troca de acusações entre portugueses e ingleses e criticou o casal McCann por ter deixado os filhos sozinhos enquanto iam jantar com os amigos…
Ora, para o cronista do Mirror, a culpa do mau ambiente é da Judiciária Portuguesa, que, para Parsons, é "espectacularmente estúpida e cruel"… E que a policia portuguesa tentou encobrir a humilhação, de não conseguir descobrir o que aconteceu a Madie McCann e que por isso ataca os pais da criança…
Ora, o que Santana Carlos disse ao Times foi que em Portugal é normal as crianças estarem sempre acompanhadas pelos pais, pela família, mas que compreendia que em Inglaterra se tenha padrões diferentes. Referiu mesmo que as diferenças culturais entre os dois países explicava muitas das críticas que foram sendo feitas aos pais de Madie. Que era uma questão de cultura, usos e costumes, que como se sabe, cada terra tem os seus…
Pois para Tony Parsons esse foi mais um comentário “ burro e desnecessário”.
Quanto aos jornais portugueses… ora está à vista de todos, ou pelo menos de Tony Parsons, que os jornais portugueses transformaram o caso em “entretenimento leve” e que os apupos do povo algarvio a Kate McCann, daquela vez à entrada da judiciária em Portimão… diz que foi coisa de outro mundo… ou melhor, não foi coisa “de outro país”… foi mesmo “de outro planeta”!
Ora bem, lá em Inglaterra não sei como será, mas, neste Portugal alarve e comedor de sardinhas, que os McCanns todos do mundo devem apreciar, nem que seja só um bocadinho, senão já tinham ido marcar férias para outras praias… pois neste Portugal, penso que nenhum jornal, nem mesmo os mais desbragados, que também os temos, se atreveria a abrir um artigo com “Up your’s”… ou chamar burro e alarve a ninguém, muito menos a um embaixador estrangeiro… Pode ser uma questão de cultura, pode ser apenas uma questão de boa educação… ou até quem sabe… da própria sardinha assada. Pelo sim, pelo não…sigamos a sardinha!

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Atado e afogado em álcool . É o que escreve em título o Jornal de Noticias de hoje.
A notícia é a da morte de um homem, em Borralheira, Covilhã.
Chamava-se José Inácio e tudo pode ter sido, afinal e só, uma brincadeira que acabou mal.
Pois bem, vamos aos factos.
José Inácio tinha 42 anos, sofria de asma e tinha, ao que consta, hábitos alcoólicos, o que vulgarmente se chama: gostava do seu copinho. De resto era um vizinho pacato e generoso, dos que tiram o pão da boca para o dar a quem precise. Vivia com os pais, de quem se diz que era o amparo. Era também o apoio de uma tia, que vivia sozinha e que José Inácio ia ajudando como podia.
Da história de José Inácio, sabe-se que foi ainda adolescente para Lisboa a ganhar a vida. Casou-se, mas o casamento não durou muito e acabou por regressar à terra, onde se ia governando em pequenos trabalhos agrícolas. Um acidente na coluna acabou por limitar-lhe os movimentos … Os vizinhos são unânimes na crítica: um homem pacato e bom, sossegado e que, mesmo com os tais copitos , nunca se metia com ninguém, nem incomodava quem não queria ser incomodado.
Agora os vizinhos! Estes, que alegadamente o terão amarrado de pés e mãos para o deixar morrer...
Dois deles têm 17 anos, outro 22 e um mais velho, 49. Este último sofre alegadamente de algumas perturbações mentais, mesmo sem estar bêbado...
Os mais novos são estudantes e pertencem, segundo consta, a famílias conceituadas na terra. Um deles frequentou o seminário até ao 10º ano e estava agora matriculado numa escola profissional.
Parece que todos se conheciam e até davam relativamente bem. O suficiente, p’lo menos, para José Inácio, nessa noite e depois do Nacional-Sporting e 3 minis, no café do Cunha, ter então atravessado a rua para acabar a noite no Regional, o café onde terão todos juntos ficado até às 2 da manhã, a beber - diz o jornal que – dezenas de martinis... O resto presume-se.
Os vizinhos também presumiram e, ouvir a gritaria que se seguiu, não os surpreendeu. É normal, à noite, aos fins de semana, uns copitos a mais e há sempre gritaria e confusão por ali, à porta do café… por isso, ninguém se preocupou com o alarido. Ou seja, presumiu mal. Entretanto José Inácio estava a ser amarrado de pés e mãos aos apoios que havia: a grade da janela do café, uma jante do automóvel estacionado à beira do passeio. E foi assim, manietado, que o deixaram, a contorcer-se para se libertar… enquanto eles iam para casa dormir.
No outro dia , pelas 6 da manhã, uma sobrinha de José Inácio deu com ele morto , no chão, amarrado como o tinham deixado. Enregelado, afogado no vómito da própria bebedeira , sufocado e morto.
A comunidade de Borralheira está naturalmente em choque. Os alegados criminosos eram até boa gente… só queriam divertir-se… e se fazem estas coisas, assim em grupo, é só para que não lhes chamem nomes feios… betinhos, ou meninos copinho de leite…
Enfim, o comportamento está mais que classificado em todos os manuais da especialidade.
A comunidade da Borralheira está naturalmente em choque – tanto pela brutalidade e absurdo do que aconteceu, mas também porque eles eram mesmo e ao que dizem: tudo bons rapazes…

Bom, vamos à capa da Focus.
Mulheres poderosas.
E na fotografia, uma jovem rapariga fita-nos em ar desafiador, enquanto faz a barba. Assim mesmo. B-A, barba, como O' neill…
Uma gilette, daquelas que já ninguém usa e espuma de barbear com fartura… Depois em sub-título explica-se o miolo da história: O sexo fraco conquista lugares anteriormente reservados aos homens.

Ora bem e para dar o exemplo disso, a Focus põe uma mulher a barbear-se na capa! Talvez seja esse um dos pecadilhos de alguns feminismos… É que, por mais que se queira, ter barba na cara não é normal nas mulheres! Mas enfim, se é essa a imagem de Poder que ainda circula… adiante .

Em suplemento, a mesma Focus dedica-se ao que chama: sensações fortes. É uma pequena revista destacável. Uma revista radical - que o radical está in - e a fotografia de capa: dois jovens e musculados energúmenos lutam num ringue de boxe. Um deles segura o outro por cima dos ombros e vai lançá-lo ao chão, numa violência que todos sabem encenada. Vai ser uma festa, quando um deles se estatelar no chão, com uma expressão de falso sofrimento na cara, torcendo-se de dor …

Pois, a verdade é que, em Borralheira, na Covilhã, parece que há meninos que não deviam ler estas revistas, sob pena de ficarem com uma ideia um pouco torta do que são sensações fortes e o que é e como se afirma, afinal, essa coisa do Poder…