Rezam as crónicas da História da Electricidade, que tudo começou na Antiguidade, na Grécia antiga. Quando Tales de Mileto, ao esfregar um pedaço de âmbar numa pele de carneiro, observou que pedaços de palha eram atraídos pelo âmbar. A palavra eléktron significa âmbar em grego.
Ora, portanto e em última análise, poderia dizer-se que a culpa é de Tales de Mileto. Mas não. O que diz o Diário de Notícias é que a culpa foi da criança. Da criança de 7 anos que se agarrou ao poste eléctrico, se pôs a abaná-lo e apanhou um choque que a mandou para o hospital
Ora vamos lá a desvendar o mistério. Os factos ocorreram em Fevereiro deste ano, em Viana do Castelo. Um menino de 7 anos foi electrocutado quando, na brincadeira, se agarrou a um poste de iluminação pública. O caso foi para tribunal e agora o Ministério Público acaba de concluir – e é essa a notícia – que a culpa foi da criança, arquivando-se assim a queixa contra a EDP, apresentada pela família da vítima. Os pais estão obviamente indignados com a decisão do tribunal.
Ora, faltava então um quarto para as 9 da noite desse 23 de Fevereiro. Os pais tinham ido à papelaria, logo ali e ele ficou à espera na rua. Enquanto esperava ter-se-á agarrado, na brincadeira e em simultâneo, a um poste de iluminação e um sinal de trânsito, ao mesmo tempo e com os braços abertos. Foi isso que provocou a descarga eléctrica. De tal forma que teve de receber assistência hospitalar, durante 12 horas e mesmo assim, há que voltar periodicamente ao médico, que estas coisas podem deixar sequelas, que só mais tarde se revelam e manifestam… Mas voltemos aos factos.
Segundo o relatório apresentado por técnicos da EDP – escreve o DN – no interior do poste haveria um cabo eléctrico que não estaria convenientemente isolado e, ao agarrar-se ao poste e ao abaná-lo, a criança pode ter feito soltar o tal cabo mal isolado e depois, ao segurar o outro poste metálico – é a lei da física e da electricidade - o corpo fez de condutor eléctrico e provocou a descarga. Diz o relatório da EDP que, muito provavelmente o rapaz estaria a abanar o poste… foi isso… diz que não havia tensões entre terra e massa metálica mas que, abanando o poste, o voltímetro digital apresentava valores de tensão descontínuos… Foi isso que provocou o acidente. A criança pôs-se a abanar o poste e apanhou um choque que o cuspiu para o chão. A culpa foi da criança, diz a EDP. O Ministério Público também acha que sim e mandou arquivar o processo.
Porque se a criança não tivesse agarrado o poste e não se tivesse posto a abaná-lo, nada de mal teria acontecido.
Deixemos de lado e para já saber que força poderá ter uma criança de 7 anos para abanar até o deixar todo desconjuntado por dentro, um poste de iluminação pública, que é suposto estar bem agarrado ao chão, não nos vá cair em cima qualquer coisa mais que uma fulminante descarga eléctrica… deixemos isso. Fiquemos só por esta conclusão brilhante do Ministério Público. Enfim, brilhante, mas pouco rigorosa. Que em verdade, e voltando ao principio, se não fosse Tales de Mileto ter descoberto os princípios básicos da electricidade. Se não fosse gente como esse André Marie Ampère e outros dessa laia se terem posto a estudar as propriedades e segredos da electricidade e um caso como o de Viana do Castelo, este de que vos falo, poderia sempre ser explicado por obra de um qualquer espírito malino, que de súbito tivesse encarnado no corpo do miúdo, fazendo-o estremecer, ficar hirto por segundos e ser depois cuspido para o chão, como possuído pelo próprio diabo.