terça-feira, 17 de novembro de 2009

Jornal de Notícias, página 24, “Barba por fazer dá multa de 10 euros”.

Assim mesmo. Numa fábrica da Trofa. Uma fábrica de transformação de subprodutos animais.

O jornal começa a prosa escrevendo que: “a empresa, célebre pelos cheiros nauseabundos com que há mais de duas décadas fustiga as populações vizinhas, parece agora querer também engrossar a lista das que violam as leis laborais…” Diz que o clima na fábrica é de cortar à faca. As pessoas vivem muito intimidadas, sujeitas a pressões e coacções se não cumprirem determinadas ordens. É bem possível que, entre as determinadas ordens, se encontrem outras a que o jornal não dá tanta importância, mas esta sim. A questão da barba por fazer. Numa ordem interna de serviço, o jornal leu que os motoristas da empresa , os que fazem as entregas de carne aos clientes, devem andar todos os dias devidamente barbeados e apresentáveis… Será estranho recomendar boa apresentação a quem tem que – como se costuma dizer – lidar com o público?!... Diz o jornal que há mesmo funcionários encarregues de verificar o escanhoado dos colegas…

A Direcção Regional do Porto do Partido Comunista já se pronunciou sobre a matéria, achando que – citemos – “é o espelho do grau a que chega a arbitrariedade, a exploração, a violência de direitos e da própria dignidade de quem trabalha.”

Mas há mais… há horas extraordinárias por pagar… consta que a escala suplementar de trabalho para entregas passou a ser aleatória, podendo qualquer motorista ser chamado a qualquer hora para o serviço e com a agravante, já se disse, dessas horas não serem pagas… Dizem os trabalhadores que até faziam o serviço de graça, mas assim não, a qualquer hora e sem dizer água vai é que não pode ser… a empresa justifica-se com o conceito de flexibilidade e – se é para endurecer o discurso … pois que quem não perceber isso não está ali a fazer nada e só tem de falar com a direcção comercial a ver se se descobre maneira de os tornar mais felizes… Também esta ironia caiu muito mal entre os trabalhadores… E como exemplo do tom intimidatório, que dizem reinar na fábrica, citam o caso de quem não usar o dispositivo regulador do líquido de lavagem dos carros fica também sujeito a castigo. No caso , é-lhes cobrado o suposto custo do alegado desperdício de referido detergente.

Entretanto, o administrador da fábrica justifica a questão da barba com a necessidade de higiene. Que a questão não se punha, se os produtos com que lidam todos os dias fossem embalados. O que não acontece, por isso, para além da barba feita, os motoristas têm também de usar , não uma touca, mas ,enfim, um boné. Já quanto a horas extraordinárias também diz que não. Que se paga tudo o que a lei manda e prevê e até mais do que isso. Ou seja, os motoristas para além do salário base têm comissões sobre as vendas e recebem um ordenado muito acima do que está no contracto colectivo de trabalho.

Bom, o Partido Comunista vai exigir uma acção da Autoridade para as Condições de Trabalho e vai confrontar o Governo com este caso… O Jornal, o JN, puxa outros exemplos, que considera semelhantes… como o das mini saias e decotes generosos – é o que diz aqui – decotes generosos na loja do cidadão em Faro. O assunto fez notícia em Abril deste ano… Ou o caso da escola de Leiria, que proibiu saias muito curtas e calças demasiado descaídas, apelando aos alunos para se vestirem e apresentarem com um ar limpo na escola… e por fim, junta o Jn no mesmo rol, o caso de algumas empresas de calçado de Santa Maria da Feira e S. João da Madeira, onde as idas à casa de banho eram controladas por cartão magnético e contabilizadas para efeitos de desconto nos ordenados…

E se estivemos todos com atenção, haveremos de ter reparado na diferença substancial entre pedir-se, ou exigir-se mesmo, um ar limpo e apresentável a um trabalhador e controlar-lhe as idas diárias à casa de banho. Enfim, se se concluir que o trabalhador em causa passa mais tempo a caminho da casa de banho, do que a trabalhar… descontar-lhe no ordenado talvez seja violento, mas , mandá-lo ao médico pode ser boa ideia. É que isso tem um nome e trata-se.

A cimeira da FAO em Roma, começou ontem e acaba amanhã.

Reúne chefes de Estado de 60 países, 20 chefes de Governo e mais 187 delegações oficiais de outras tantas nações, menos os do G8… Enfim, tem Berlusconi, mas ele sempre é o anfitrião da cimeira…

Ora, do que já ontem foi divulgado, ficámos a saber que todos defendem a tomada de medidas urgentes para erradicar a fome do mundo e que , para isso, já foram definidos objectivos estratégicos. Por exemplo?... enfim, uma coisa de cada vez. Para já, fiquemos com isto… que vão todos zelar para que sejam tomadas medidas urgentes para reduzir para metade, até 2015, a percentagem de pessoas com fome e malnutrição.

O director geral da FAO disse mesmo que são fundamentais cimeiras como esta e que são justamente os países mais ricos quem pode ajudar a resolver este problema… Já antes, Jaques Diouf, o senegalês director geral da FAO, tinha apelado a esses mesmos países do G8, que como vimos, não apareceram em Roma, para que duplicassem a contribuição, que ficou acordada na cimeira de Aquila. A de Junho passado, em que o G8 se comprometeu a contribuir com 20 milhões de dólares em 3 anos.

Durão Barroso, o presidente da Comissão Europeia está mais do que preocupado. Está mesmo envergonhado, com o ponto da situação. Diz o Público, que disse Durão, que é uma vergonha no plano moral… Diz o DN, que disse Durão, que o mundo actual, onde mil milhões de pessoas sofrem de fome, precisa urgentemente de um sistema de alarme rápido, baseado em dados científicos, como os da luta contra as mudanças climáticas e que está pessoalmente determinado a enfrentar, durante o próximo mandato, este desafio importante mas difícil.

O Papa também disse de sua justiça … Para Bento 16 , se é verdade que cada país tem o direito a definir o seu próprio modelo económico, também é verdade que nenhum deveria ceder ao consumismo e ao egoísmo, em prejuízo das populações mais débeis…

Em termos muito concretos, temos entretanto que , na declaração final da conferência lida ontem ao mundo… na declaração destinada a traçar o tal plano global de ataque à fome, não há resposta ao pedido do director da FAO, de 44 milhões de dólares para desenvolver a agricultura em África e na Ásia… onde a fome é mais negra…

Verdade também, a crer-se nas palavras com que Ban Ki-moon abriu ontem os trabalhos… verdade também é que hoje, terça feira 17 de Novembro, vão morrer de fome 17 mil crianças em todo o mundo. Ontem aconteceu o mesmo e amanhã também… Isto, claro, números redondos, contas por alto... O que, talvez como sistema de alarme, seja pouco... Talvez lhe faltem dados científicos...

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Empresas públicas pagaram homenagem a Ana Vitorino – é a uma das manchetes do Público, hoje. Ana Vitorino era, na altura, secretária de Estado dos transportes e foram os presidentes da REFER, da CP e de, pelo menos, mais uma sociedade pública de transportes quem convidou e pagou, alegadamente com dinheiros públicos, o jantar de homenagem à secretária de Estado e a mais 50 gestores públicos. Pelo aparato da manchete, somos levados a crer que estamos perante um pequeno ilícito, ou, pelo menos, coisa menos própria…

Temos também, no JN, a chamada de capa, que diz que há funcionários da Direcção de Veterinária acusados de corrupção. Diz o jornal, que havia empresários que pagavam subornos, em troca de licenciamentos para instalações pecuárias…

No JN, ainda e abrindo o jornal, temos logo na página 3 a notícia dos chamados “casamentos brancos”. Ou seja, do esquema que já leva mais de 100 arguidos e que consiste em casar imigrantes estrangeiros com mulheres portuguesas, para lhes facilitar a legalização em Portugal e lhes abrir as portas do espaço Schengen. O caso de que se fala centra-se na comarca de Gondomar e envolve cidadãos portugueses e paquistaneses. Diz que as mulheres em causa são na maioria prostitutas e que o esquema agora em investigação pode ter ligações a uma rede espanhola …

No Correio da Manhã, a discreta chamada de capa diz que o Fisco perdoou as dívidas de Manuel Godinho, o sucateiro de Ovar, o da Face Oculta. Perdoar não terá bem sido o caso, mas deixou-as prescrever, o que acaba por ir dar ao mesmo. Diz o jornal que, desde 1994, que o empresário sucateiro faz orelhas moucas às intimações do Fisco e não só não paga, como falta às convocatórias do tribunal. Diz que durante esses anos todos não pagou impostos e usou amigos das Finanças para encobrir a situação… até que, pelos vistos e segundo o título do jornal… a dívida caducou e assim sendo, por exemplo, os 164 mil euros de IVA em débito é dinheiro que nunca há-de entrar nos cofres do estado…

Ora bem e continua-se a falar de corrupção porquê?... porquê tanto alarido e tanta manchete indignada?... será ainda notícia a merecer tamanho espavento?!...

Consta que os ingleses chegaram à conclusão de que lhes falta uma palavra, que traduza fielmente o verbo português – desenrascar…. Ou desenrascar-se… ou, na sua forma substantiva – o desenrascanço.

Pois quereis exemplo mais vivo do conceito?... Pois não terá sido assim, que Portugal sobreviveu durante 866 anos?… desenrascando-se.

Atente-se, por exemplo, no episódio do cerco de Lisboa… foi para desenrascar a coisa, que o voluntarioso Martim Moniz se deixou entalar na porta do castelo...não é histórico, mas poderia dizer-se que é “bene trovato”…… agora, o que fica em aberto é saber o que o heróico soldado terá dito aos sarracenos, para os convencer a entreabrir a porta, em primeiro lugar.

Por isso, que cesse tudo o que a musa antiga canta...corrupção, corrupção... o tanas ! Isto é Portugal a desenrascar-se!