quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006







SUBIA A LUA MÁ NO HORIZONTE
TREPANDO PELAS PEDRAS DESCARNADAS
ERRANDO POR ENTRE AS ESCARPAS DO MONTE
FITANDO A MORTE NAS ENCRUZILHADAS

BALANÇANDO-SE NOS RAMOS MAIS SOMBRIOS
CRAVANDO NAS CLAREIRAS SEU CLARÃO
CAINDO SOBRE O SILÊNCIO DOS RIOS
FERINDO SEM PIEDADE A ESCURIDÃO

DESCIA SOBRE AS COISAS SOBRE A GENTE
COM ESSA MANSIDÃO QUE TÊM OS SONHOS
OU COMO UMA CANTIGA D’EMBALAR

P’RA NOS LEVAR DEPOIS INDIFERENTE
POR CAMINHOS PERDIDOS E MEDONHOS
CEGOS JÁ P’LA NOITE E P’LO LUAR








15/01/06



Luzes molhadas do outro lado do
vidro
olhos d’água
a língua negra
do asfalto
noite lenta por entre a sombra
das luzes
corre o frio recorte do comboio
fricção de rodas nos carris
trovejar de ferro contra ferro
personagens silenciosas
cada qual na sua vida
é uma e tal da manhã
hora em que nada acontece
levanta a gola
mãos nos bolsos
(vejo-a) triste a morte
desce(ndo) do comboio
em movimentos sinuosos
de gato preto.

3ª missiva
de Belfaghor
para a minha morte



& uma certa manhã acordas
‘ssim meio sobressaltado
& está um bicho medonho
deitado mesmo a teu lado
& olha-te c’um ar sinistro
que arrepia só de vê-lo
tu calculas qu’ele seja
a sombra de um pesadelo
& ao tentares te levantar
ele esboça um movimento
& é como se o mundo inteiro
parasse nesse momento
tu perguntas o que é isto
o que foi que aconteceu
& ele olha-te nos olhos
com um ar de desafio
& aí sentes as tuas costas
rasgadas por um calafrio
& tu rogas uma praga
& um eco dentro de ti
ressoa como uma voz
que cinicamente se ri
& se levantas o braço
p’r’afugentar a visão
sentes uma garra de aço
a apertar-te o coração
& o olhar do intruso
trespassa-te lado a lado
& todo o teu corpo treme
com um frémito gelado
& aí perdes a força
aí perdes a coragem
& entregas-te em rendição
e deixas-te ir na voragem
& ele sorri satisfeito
& c’um hálito azedo
vem sussurrar-te ao ouvido
meu filho não tenhas medo
& tu fechas os teus olhos
& com um sorriso terno
essa estranha personagem
te levará p’ró Inferno

& às vezes é tão difícil
fazer a vida rimar
quando tudo à nossa volta
nos incita a abandonar
toda a ‘sperança & a sair
pela porta desolada
que se fecha para a vida
que se abre para nada
às vezes é tão difícil
dar um pontapé na sorte
puxar as orelhas à vida
apalpar o cu à morte
& bater o pé no chão
tocar o carro p’rá frente
quando o que nos apetece
é fugir de toda a gente
às vezes é tão difícil
forçar as pernas a andar
quando só nos apetece
ficar sentado a chorar

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006




Júpiter, 29 de abril de 1999

da vida duvidosa dividida

da dúvida que duvida da vida

da vária desvairada variedade

que dá de viva voz

a outra verdade

a verdadeira dor que doendo diz

o que dizendo

disse o que não quis

ab


Schlafamengue-se o que se schlafamengar
schlafamenga-se sempre menos do que se pode desejar
que a schlafamenguência, sem ofensa, tá clar’
schlafamenga minga, do verbo mingar
minga da menga na manga ao mongar...
manga da monga,
aminga do meu amingo
meu amingo mango







28-12-1998
lua. 25/2/91



não é a alma coisa vaga
ou a mente sublime embuste
é o espírito ele próprio
desancado quase morto

sempre as palavras sempre plural
destilado veneno do Mal


não é a Vida
o leito intranquilo
não será decerto o sonho roubado
ou a sua revolta


caminhando semeando máscaras
- usar & deitar fora -
roupas certezas devoções

nem o silêncio das pedras
a sua imobilidade
tudo parece ser aparente
aparentemente

descrente de tudo contudo de acordo
num supremo esforço de boa vontade

o gosto do sangue no fundo da garganta

um manso desejo sinuoso
a mão que empunha a faca
& a empurra com luxúria
para dentro

no centro da sala o corpo caído
o silêncio de pedra gela o ar
estilhaça todos os espelhos

a escrita é um código cerrado
falar
um monumental engano
passei um bocado da minha vida
à procura de gente
só encontrei gentinha
queria pessoas
& só descobri gajinhos

ai o amor
de tão cantado
coitado
em que estado o tens
vazio
esgotado
o amor desencantado
ai esta dor
cansada
pisada
diz-me ao que vens
oh dor
horror que morde
& não ladra

vénus. Setembro/90

sábias e avisadas palavras
bramavas
brâmane no deserto
perto
al bino o beduíno
escutava absorto
arremelgando o olho torto
muito aberto