ela nunca percebeu como as bebidas foram ali parar, mas segurou o copo e, sorrindo com um ar confiante, preparava-se para o levar à boca, quando qualquer coisa a fez mudar de ideias. a expressão transfigurou-se-lhe subitamente. a pose tornou-se hirta e desconfiada. e se tudo aquilo não passasse de uma encenação para a apanharem? uma enorme e tremenda conspiração para a comprometer e levarem a cometer o erro fatal ? poisou o copo lentamente sobre o balcão e deixou deslizar o corpo p'las costas do banco. conhecia o estratagema. pensou: pois sim, meus ricos, conheço muito bem o vosso estratagema, mas comigo não cola. lançou um olhar em volta. agora atenta, observadora e obrigada. e pôs-se à coca.
sexta-feira, 24 de novembro de 2006
o super homem foi ao continente comprar um novo fato de super herói, que o que tinha já estava a ficar puído no meio das pernas e era uma vergonha, que já se lhe iam vendo as cuecas quando voava por sobre os prédios da cidade. quando lá chegou, foi logo direito à secção onde havia o fato que ele queria. e havia-os de todos os tamanhos e alguns até com inovações e retoques de muita imaginação e bom gosto, como aquele com guizos nas botas, diz que, inspirado nas renas do pai natal. já se via, a aterrar no telhado do Daily Planet, a chocalhar a guizalhada, p'ra impressionar a escanzelada da Miriam Lane!...mas não. no caso dele, havia de ser fiel ao padrão original e reconhecido em todo o mundo. uma questão de princípio e dever de ofício. um padrão manhoso como o diabo que o pintou. sempre o achou e disse a quem o quis ouvir. o problema é que nunca ninguém o quis ouvir, ou ligou importância. uma fatiota ridícula e incómoda! sempre o disse. mas quê... o que vale é que, p'lo menos, desistiram de lhe desenhar um triângulo florescente nos fundilhos, p'ra voar de noite!
o tempo não está para festas! - disse ele, coçando a sobrancelha. primeiro pensei que era mais uma daquelas crises de depressão, muito comuns nele, ou ainda mais simplesmente, uma daquelas banalidades que se dizem só p'ra não ficar calado. foi a expressão no olhar e a transpiração que começava a brilhar-lhe na testa e a tremer-lhe nas mãos, que o denunciaram de que algo de mais grave se passava. ainda tentei responder e desanuviar o ambiente: pois não, está uma ventania do caraças e chove que deus a dá! aí, limitou-se a repetir,com a mesma expressão obsessiva nos olhos: o tempo não está p'ra festas. parecia que olhava através de mim, como se eu não estivesse verdadeiramente ali! como se fixasse alguma coisa e alguma coisa aterradora que se revelasse mesmo atrás das minhas costas. decididamente, aquilo já não era um comportamento normal. resolvi contra-atacar!: pois não! festas agora só no Natal! aí, desviou o olhar e virou-se para a janela, num gesto lento e dramático demais, até mesmo para uma criatura naquela posição. imitei-lhe o gesto e o que vi gelou-me o sangue e a alma. insinuando-se p'lo silêncio do beco, avançava a sombra ameaçadora do Homem Aranha