sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Ora, gente de boa vontade… vamos por aí.

Ora, gente de boa vontade… vamos por aí.

Viana do Castelo. Fecha-se o zoom e estamos na aldeia de Darque, Viana do Castelo.

Foi aí, num contentor de 10 metros quadrados, que, nos últimos 20 anos, viveu Maria Augusta. Hoje tem 90 anos. 50 deles foram vividos a trabalhar na seca do bacalhau. Quando se reformou ficou a receber uma pensão de 15 euros por mês.

Por isso, passou a viver num contentor abandonado na berma da estrada, que leva à passagem de nível da Seca, na aldeia de Darque… No Verão não se pode com o calor, no Inverno é um gelo de morte.

Pois finalmente, Maria Augusta vai abandonar o contentor, onde viveu nos últimos 20 anos, e vai ter finalmente uma casa digna. Foi a Câmara de Viana do Castelo quem se encarregou de arranjar a casa e logo ali perto e mais ainda, será a própria autarquia a pagar a renda. Quer isto dizer que alguém de boa vontade acordou para a situação em que vivia esta senhora de 90 anos e resolveu interceder, em nome da solidariedade, em nome da dignidade, em nome de outra qualquer piedosa virtude?... Não tanto. O que acontece é que se vai construir uma passagem subterrânea da linha do comboio. O que faz com que a estrada, à beira da qual Maria Augusta vivia, vai ser fechada. O que faz com que as máquinas já estejam prontas para avançar com as obras. O que faz com que o contentor tenha que sair dali para fora. Para a sucata, para o lixo. Claro que ninguém teria coragem de nenhuma de duas coisas. Deixar a senhora ao relento, ou mandá-la para o lixo, juntamente com o ferro velho. Por isso lhe deram finalmente uma casa. Por isso finalmente repararam que havia alguém a viver num caixão de ferro de 2 por 5, à beira da estrada.



Afogamento, armas de fogo e enforcamento.

Sendo que, o enforcamento é o método mais utilizado, entre os suicidas de 16 países europeus, Portugal incluído. Porque é disso que o DN dá conta, na notícia que hoje ocupa quase meia página do jornal.

As mulheres usam métodos menos letais, enquanto os homens optam pelos mais eficazes.

Em Portugal, quase metade dos suicidas opta pelo enforcamento. Em segundo lugar surgem as armas de fogo – isto no caso dos homens, já as mulheres, no caso português e julga-se que pela extensão da costa portuguesa - as mulheres portuguesas escolhem o afogamento para consumar o suicídio. No resto da Europa é a sobre dosagem de medicamentos, a 2ª causa de suicídio entre as mulheres – em Portugal são muito poucas.

Tudo isto se conclui do estudo agora divulgado e que se chama "Métodos de Suicídio na Europa" e que pretende ajudar a identificar e limitar o acesso aos recursos disponíveis e mais comuns na prática do suicídio.

Ora bom, regressemos ao princípio. E no princípio anuncia-se – em título mesmo -que metade dos suicidas (subentenda-se: portugueses) opta pelo enforcamento. É também o que se pode ler na legenda da fotografia que ilustra a noticia. Diz assim: “52,3% dos homens portugueses optam pelo enforcamento” (poderíamos começar por aqui, pela concordância verbal – estou em crer que se deveria ter escrito que 52,3 % dos portugueses opta por… por aí fora, adiante.) A fotografia. Também fica por saber até que ponto ela fazia aqui alguma falta. Mas saltemos esse ponto e vamos à fotografia. De um enforcado?... Seria de muito mau gosto, mas faria sentido, atendendo à legenda. Mas não. A fotografia não é de um enforcado.

A fotografia foi tirada à beira de uma estrada. Isso percebe-se. E até podia ser à beira da estrada que cruza o vale de Alcântara. Mais concretamente sobre o viaduto Duarte Pacheco. Enfim podia ser, nada garante.

Há um muro baixo, protegido por uma rede e, pela copa das árvores em fundo, percebe-se que do outro lado do muro a altura deve ser considerável. Portanto, aquele homem, que ali está de costas para nós, em pé sobre o muro, olhando para baixo, braços caídos ao longo do corpo, estará a preparar-se para saltar. Prepara-se para se suicidar, saltando. Portanto e para já, ficamos a saber que este alegado suicida não pertence aos tais 50 e pouco por cento de que fala a própria legenda. Portanto, ou a fotografia não é dali, ou a legenda não tem muito a ver. Mas, a questão adensa-se, quando pensamos neste pequeno detalhe. Este homem, que aparece na fotografia, vai mesmo suicidar-se ou está só em pose para a fotografia?... O primeiro caso parece improvável, o segundo é de gosto duvidoso. Mas há mais. O homem que aparece na fotografia, alegadamente prestes a cometer suicídio, despiu a camisola, que pendurou na rede metálica atrás dele. E despiu mais. Despiu também as calças e descalçou sapatos e meias. Ou seja, o que se vê na fotografia é um homem, de costas para nós em pé em cima de um pequeno muro de pedra, vestido apenas com uns calções, que lhe dão pelos joelhos e com um padrão vistoso e colorido às riscas verticais. Enfim, como um vulgar calção de banho de praia. Ou seja, o homem que aparece na fotografia parece mais que vai saltar para uma piscina, do que para uma morte certa.

Ou seja, se uma imagem vale mais que mil palavras, também é verdade que, às vezes, mais vale ficar caladinho.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

e a tenda dos estábulos tem ar condicionado

Estreia hoje e o “Público” puxa para título esta frase lapidar: “Cavalia já conquistou Lisboa.”

“Cavalia” é o nome do espectáculo, o maior espectáculo itinerante do mundo, diz-se, e que mistura artes equestres e circenses. Imaginado e posto em cena por um cavalheiro que foi co-fundador do Cirque du Soleil. “Cavalia”, portanto.

Foi visto por mais de 2 milhões de espectadores, na América do Norte e na Europa e, desde que foi estreado pela primeira vez, há 5 anos, já foi apresentado mais de 10 mil vezes, por esse mundo fora.

Em Portugal, em Lisboa, estreia hoje, no passeio marítimo de Algés. O aparato de tendas – enormes, de oleado branco – criou um cenário quase das arábias, ali junto ao Tejo.

Escreve o “24”, que já se venderam 15 mil bilhetes. Um sucesso tal, que a companhia admite prolongar a estadia em Lisboa, se o público assim o pedir.

Mas regressemos ao título. “Cavalia já conquistou Lisboa”. Qinze mil bilhetes vendidos… Já agora, os bilhetes andam entre os 20 e os 155 euros… e já se venderam 15 mil bilhetes e foi uma loucura tal que até surpreendeu o próprio director do evento.

Ora, do que se sabe do espectáculo é que já correu mundo e que foi visto por 2 milhões de pessoas, em 11 mil representações e que foi encenado por um ex membro e fundador do Cirque du Soleil. E que mete cavalos. Muitos cavalos. Aliás, do que se sabe realmente de concreto e seguro, é pouco mais que isso… números. E tudo em grande, como as tendas e a publicidade que se lhe vai fazendo. Números. 60 cavalos, 37 artistas, 8 tendas, 200 camiões, mais 120 pessoas a dar apoio nos bastidores e as toneladas de fava e palha que são precisas para manter os animais…

Sabe-se que, antes de embarcar para Lisboa, os cavalos repousaram vários dias numa quinta do sul de França; sabe-se que a tenda dos estábulos tem ar condicionado; sabe-se que nesta pequena aldeia itinerante há também uma cafetaria e uma tenda VIP para receber os convidados famosos. Do espectáculo mesmo – e se já reparam na campanha que tem passado nas televisões … sabe-se que – segundo o New York Times, (que a campanha faz questão de citar, como sentença do mais alto e insuspeito valor…) segundo o New York Times, “Cavalia” é – cito de cor – um conto de fadas concebido por um dos fundadores do Cirque du Soleil. Uma vez mais, cita-se uma entidade – no caso o Cirque du Soleil – como se lhe reconhecesse uma autoridade, ou garantia de excelência acima de qualquer discussão ou suspeita… mas do espectáculo mesmo o que é que se sabe?...

Do próprio espectáculo diz-se, para além do que já se ouviu, que é romântico e alegre e que mistura cavalos com acrobacias e fantásticas projecções… Diz-se também, que em Lisboa já se venderam 15 mil bilhetes a preços que se ficam entre os 20 e os 150 euros, contas redondas…

Mas, enfim, resumindo, tudo o que se sabe são pormenores paralelos à própria função.

São números grandes… 2 milhões de espectadores, 200 camiões, 60 cavalos, tendas gigantescas… Tudo impressionante. Como os 15 mil bilhetes já vendidos, que até impressionaram o director da companhia…

Enfim, a verdade é que perante o sucesso já conseguido, mesmo antes da estreia… “Cavalia já conquistou Lisboa”, lembram-se do título?... e Lisboa por enquanto só viu números e tendas de oleado… pois se, mesmo assim, já é o sucesso que se vê… deixo a questão, se será mesmo preciso levá-lo à cena… Se não poderíamos ficar só por este delicioso suspense, este maravilhoso basbaquismo…?



Outro que se estreia ...

“Filme baseado em obra de José Saramago dá polémica nos Estados Unidos.”

É o ante-título, no 24 Horas. Depois em letra maior: “Protestos contra "Ensaio sobre a Cegueira" – porque é disso que se trata. Do filme do brasileiro Fernando Meirelles com Julian Moore, que há de estrear em Portugal lá para 13 de Novembro, mas que, antes disso, amanhã mesmo, estreia nos Estados Unidos da América do Norte.

E é essa estreia que está a dar polémica.

Polémica entre os invisuais – escreve o jornal. A Federação Nacional dos Invisuais dos Estados Unidos está a preparar um protesto contra o filme, porque, alegadamente, trata as pessoas cegas como monstros e isso é mentira. Disse Marc Maurer, o presidente da federação à Associated Press. Disse que “a cegueira não transforma as pessoas decentes em monstros”. Terá ainda acrescentado que o filme “não é uma alegoria muito inteligente para falar sobre o colapso da sociedade”. Os estúdios já lamentaram esta reacção e o anunciado protesto. Defenderam-se dizendo que o realizador teve a preocupação de respeitar a história original de Saramago. E o que a história original conta, em traços largos, é sobre uma estranha epidemia de cegueira branca, que gera o caos no seio de uma comunidade e leva o instinto de sobrevivência a opor-se à civilização.

Ora, para a Federação Nacional dos Invisuais dos Estados Unidos, estamos aqui perante um manifesto evidente. O de que a cegueira transforma as pessoas decentes em monstros. O que é uma rotunda mentira.

Claro que Saramago podia ter escolhido outro exemplo para ilustrar a parábola. Poderia ter-se recorrido dos surdos, por exemplo. Uma sociedade surda aos avisos gritantes, que lhe anunciam a barbárie e o fim da civilização, tal como a conhecíamos.

Mas, aí teríamos, nesta mesma lógica, uma qualquer associação de deficientes auditivos a reclamar…

Poderia Saramago ter usado a imagem de um louco. Um misterioso surto de loucura varrendo as cidades e semeando o caos nas nações… Mas aí, outros se ergueriam em protesto igualmente legítimo e em defesa dos psiquiatricamente loucos, dos alienados a sério, com diagnóstico feito e ficha clínica…

E depois poderia também, José Saramago, ter escrito um Ensaio sobre a Estupidez…

O quem em verdade e bom rigor não iria mexer muito com o essencial da história. Em vez de um surto de cegueira … uma pandemia de estupidez. Para todos os efeitos práticos, iria dar rigorosamente ao mesmo… a estupidez conduzindo as massas para o precipício, para o caos, para a morte. Estou mesmo em crer que só um cego é que não vê, que se lhe chamássemos Ensaio sobre a Estupidez, a moral da história mantinha-se intacta.

Seja como for, o filme estreia amanhã em 75 salas de 21 estados unidos da América do Norte.

Até lá, deixo-vos um provérbio chinês: Quando o sábio aponta para a Lua, o idiota olha-lhe para o dedo.

os tempos vão difíceis.

A casa já tem mais de cem anos de porta aberta, mas os tempos vão difíceis. Este Mercado de S. João, em Braga, sobreviveu à crise da 2ª Guerra Mundial, mas treme agora perante o avanço das grandes superfícies, que ameaçam de extinção o comércio tradicional. Mas vamos ao que importa. No Mercado de S. João, em Braga, a especialidade é o bacalhau. Sempre foi. Mas agora, reclama o actual dono, estamos no tempo do sem qualidade, verde, de secagem insuficiente, que se vende barato nos supermercados. Um insulto. Um ultraje àquele que já foi considerado o recurso dos mais pobres. Tempo houve em que, quem não tinha mais nada, tinha sempre e pelo menos uma postinha de bacalhau para coser. Tempo houve. Hoje os tempos são definitivamente outros e para repor alguma justiça e devolver alguma dignidade ao fiel amigo, o Mercado de S. João de Braga vende bacalhau pela Internet. Bacalhau do bom, garantem. Nada a ver com esse tal outro mal seco e esverdeado. Desde que o site foi criado, há 3 anos, já recebeu 9 mil visitas. Recebem encomendas de todo o mundo. Mails de muitos emigrantes fazendo encomenda. Acontece que muitas delas acabam retidas nas fronteiras dos países para onde são expedidas, mas quanto a isso, o proprietário do negócio diz que não pode fazer nada. Os clientes ficam por sua conta e risco quanto a esse pormenor. Quer dizer, quanto a isso, batatas.

E saltemos agora para o Correio da Manhã. Já quase em fecho de edição, o jornal publica esta breve e sublime notícia. Rádio Sim. Diz o título. E aqui não se trata de nenhuma afirmação, ou manifesto de intenções. Rádio Sim é mesmo o nome da nova Rádio que ora se anuncia. E anuncia-se como a primeira Rádio dedicada a pessoas com mais de 55 anos. Comecemos por anotar este pormenor fundamental. Para maiores de 55 anos. Não maiores de 50, ou de 65 anos, que é a idade da reforma. Não é portanto uma Rádio para reformados, nem uma Rádio para os que venceram a barreira dos 50. Enfim, 50 sempre é metade de cem e o número cem conserva uma certa mística muito própria e conveniente, para, por exemplo, centenários e coisas assim. Portanto esta Rádio Sim distingue-se à partida de qualquer outra que exista ou venha a existir dirigida a auditórios de 50 anos, ou já na reforma. Esta Rádio Sim é só para quem tem mais de 55 anos. Claro que, assim sendo, os de 65 anos estão incluídos. O que já não acontece, obviamente com os de 50, já que 50, como se sabe é menos de 55.

Esta Rádio Sim emite em duas frequências, a partir de Lisboa e Évora e a partir deste mês, também. A directora de programação desta nova Rádio diz que o programa da manhã vai ser de informação e opinião. E ora aqui está a primeira grande inovação! Informação e opinião logo de manhã. Coisa de que a Rádio portuguesa bem precisada estava. Enfim, se há que começar por algum lado, comecemos pelos ouvintes de 55 anos. Servem de cobaia. Se a ideia pegar, a de abrir as manhãs da Rádio com informação e opinião, pode ser que o modelo se abra depois a auditórios mais vastos e diversificados. Porque eles são muito diversificados, os auditórios de Rádio. Por isso ele há Rádios dirigidas a públicos específicos. Desta já vimos. É para maiores de 55 anos. Mas há as Rádios jovens, só para jovens, há as eruditas e as ditas clássicas, as que só passam jazz, as que só passam fado… o mesmo para as Televisões que só passam desporto, só passam documentários de viagens ou de descobertas científicas e outras… enfim, a Comunicação Social especializa-se e dispara tiros cirúrgicos ao público alvo.

E é nesse sentido que saudamos o nascimento da Rádio Sim. Sim, decerto. Claro que sim. Ficamos entretanto à espera de uma Rádio para maiores de 65 anos, mas com espírito jovem. Uma outra para os que gostam de ópera e futebol de salão ao mesmo tempo. Outra para os que gostam de futebol de salão, mas preferem o jazz. Mais uma para os jovens, mas daqueles de quem se diz que pareces um velho, pá, valha-te deus e gostam de fado e crónicas de viagem. E mais uma para os jovens, mas daqueles de quem se diz pareces um velho, pá, valha-te deus e gostam de pingue-pongue e fado vadio e… e o horizonte é vasto e o disparate é o limite. Mais uma rádio para os que só ouvem rádio entre o meio-dia e as 4 da tarde e mais uma para os que não ouvem rádio e uma última para os que não ouvem de todo. Nem rádio nem coisa nenhuma, os chamados surdos.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

(chamemos-lhe assim, que é mais prático)

Vem no “Público” e em página inteira.

Em ante-título explica-se que, na generalidade dos casos, é o director geral dos impostos quem permite o acesso às contas.

Em letra maior, adianta-se depois que, no caso das contas dos advogados, é precisa uma autorização judicial, para que se levante o sigilo bancário.

Ora, não está aqui em questão saber que direito terá a Direcção Geral de Contribuições e Impostos para investigar as contas e os movimentos bancários de cada um. Há casos em que esse procedimento é necessário e justificado. Casos que respeitam entretanto uns quantos requisitos prévios e bem explícitos. O que acontece é que - segundo a notícia - o Supremo Tribunal Administrativo considera que, sempre que um advogado invoque o segredo profissional, o fisco fica impedido de levantar o sigilo bancário de forma administrativa. Mais que isso, considera que a Direcção Geral de Contribuições e Impostos não tem competência para decidir sobre o que é, ou deixa de ser segredo profissional.

Assim sendo, o Fisco (chamemos-lhe assim, que é mais prático) o Fisco só pode aceder às contas bancárias dos advogados, para confirmar, por exemplo, as declarações de rendimentos, depois dos tribunais verificarem que essa consulta não põe em causa o segredo profissional, a que os advogados estão sujeitos.

O jornal evoca um caso concreto, passado em Agosto, quando o Supremo Tribunal Administrativo acabou por dar razão ao queixoso – um advogado – e recusou o recurso interposto pelo próprio director geral dos impostos. Azevedo Pereira tinha interposto o recurso, depois do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé ter decidido que a conta bancária desse advogado não podia ser divulgada, por razões de segredo profissional.

Na altura, Azevedo Pereira argumentou que apenas se pretendia consultar “os extractos bancários e os documentos que os suportam, os quais não são susceptíveis de revelar qualquer informação sigilosa relativamente ao negócio do cliente que consta, designadamente, dos recibos emitidos pelos advogados pelos serviços que prestam” – acabámos de citar.

Continua o “Público”, dizendo que o Supremo defende a tese contrária. A de que “há um regime diferenciado quando o acesso à informação está protegido pelo sigilo profissional, ou qualquer outro dever de sigilo e quando apenas esteja em causa o sigilo bancário.

Neste caso, o do sigilo profissional, é mesmo precisa a autorização judicial expressa.

E passemos de novo ao discurso directo. Do acórdão do Supremo o jornal sublinha esta passagem: "tendo, o ora recorrido, alegado que não poderia disponibilizar as contas bancárias, porque nas mesmas existiriam movimentos cobertos pelo sigilo profissional, não se revelaria admissível, que a administração tributária, não especialmente vocacionada para a ponderação do complexo de valores e direitos envolvidos, tivesse a possibilidade de derrogar administrativamente a protecção conferida por esse dever de sigilo, sem prévia sindicância judicial.” Citàmos.

Ora bem! Segredos todas as profissões os têm e algumas bem ciosas deles o são! Desde as cozinheiras, que guardam a sete chaves o segredo, por exemplo de um bom bacalhau à Brás , ou do molho das francezinhas, até… por aí fora.

No caso concreto dos advogados, a questão é obviamente outra e percebe-se que a discrição, o segredo mesmo, sejam a alma do negócio, ou pelo menos, uma recorrente ferramenta de trabalho. Percebe-se. Como, com um pequeno esforço, ou se calhar só com um pouco mais de informação, também acabaremos por perceber, porque é que o sigilo profissional dos advogados os obriga a reagir como um vulgar narcotraficante que, este por razões óbvias, também poderá invocar o segredo profissional, para se recusar a divulgar extractos e movimentos bancários. “É que era só mesmo o que mais faltava!” – isto era já o narco traficante a falar…

E já lhe chamam “Lisboagate” e todos os jornais de hoje falam disso.

Já houve devoluções voluntárias. 18 casas foram já devolvidas à Câmara de Lisboa.

Falamos claro do caso das casas camarárias, alugadas a baixo custo a pessoas que alegadamente teriam possibilidades financeiras para pagar uma renda normal.

Há vários dirigentes da Câmara de Lisboa nessa situação e ontem mesmo António Costa garantiu que todos esses casos serão analisados e corrigidos a seu tempo. Mas foi ontem também, que Sara Brito, vereadora, falou à comunicação social, para explicar e defender o seu caso concreto.

E o caso concreto de Sara Brito , segundo a própria, foi que recebeu a casa de Kruz Abecassis em 87. Na altura era vereadora da Acção Social e que por isso não havia impedimento legal para o fazer. Não havia – segundo a própria – problema ético. E não havia porque, sendo vereadora da Acção Social, o problema ético só se punha se a casa fosse de habitação social. O que não era o caso e o que também quer dizer que se não era habitação social, seria de qualidade um bocadinho superior. Eventualmente… Aí viveu durante 20 anos, até ao fim do ano passado, quando ocupou o pelouro da habitação. Então sim, havia um impedimento legal e a vereadora entregou a casa de volta à Câmara. Diz que não podia ser inquilina e senhoria ao mesmo tempo, o que aconteceria se continuasse a viver no apartamento da rua do Salitre, sendo vereadora da habitação. Esse foi o argumento – segundo as palavras da própria: “Iria criar uma complicação.”

Os jornais garantem entretanto que, para além de figuras mais ou menos conhecidas da vida pública portuguesa, há também sedes de partidos, que pagam à Câmara de Lisboa rendas que chegam aos 5 euros por mês.

Mas voltemos rapidamente a Sara Brito e só por uma outra razão quase paralela.

A autarca diz que nunca viveu clandestina e que por isso não se sente culpada, nem com razões para se demitir. Sempre pagou as rendas que lhe foram pedidas, incluindo as respectivas actualizações. Portanto legalmente já vimos que parece que está tudo bem e eticamente, pelo menos para a vereadora, também.

Agora o que se passa é que os jornais – o “Público”, por exemplo – puxa para título esta frase espantosa: “Vereadora que pagava 146 euros de renda à Câmara de Lisboa recebe reforma de 3350 euros.”

Esta é que é a grande surpresa! Um funcionário do Estado na reforma – e para o caso nem interessa se a reforma é folgadita ou não… é a que se lhe deve, certamente… - mas , para todos os efeitos, temos um funcionário público reformado que continua a trabalhar , no caso, na mesma função pública. Enfim, a verdade é que a notícia não explica muito bem se a reforma é da função pública, ou de uma qualquer anterior profissão que Sara Brito tenha exercido; há 20 anos, ou mais; enfim, antes de trabalhar na Câmara de Lisboa. Isso, não consegui perceber bem, mas o que é evidente é que – casas da Câmara aparte - Sara Brito está reformada e continua a trabalhar. E na função pública.

Ético deve ser, mas será legal?