quinta-feira, 2 de outubro de 2008

e a tenda dos estábulos tem ar condicionado

Estreia hoje e o “Público” puxa para título esta frase lapidar: “Cavalia já conquistou Lisboa.”

“Cavalia” é o nome do espectáculo, o maior espectáculo itinerante do mundo, diz-se, e que mistura artes equestres e circenses. Imaginado e posto em cena por um cavalheiro que foi co-fundador do Cirque du Soleil. “Cavalia”, portanto.

Foi visto por mais de 2 milhões de espectadores, na América do Norte e na Europa e, desde que foi estreado pela primeira vez, há 5 anos, já foi apresentado mais de 10 mil vezes, por esse mundo fora.

Em Portugal, em Lisboa, estreia hoje, no passeio marítimo de Algés. O aparato de tendas – enormes, de oleado branco – criou um cenário quase das arábias, ali junto ao Tejo.

Escreve o “24”, que já se venderam 15 mil bilhetes. Um sucesso tal, que a companhia admite prolongar a estadia em Lisboa, se o público assim o pedir.

Mas regressemos ao título. “Cavalia já conquistou Lisboa”. Qinze mil bilhetes vendidos… Já agora, os bilhetes andam entre os 20 e os 155 euros… e já se venderam 15 mil bilhetes e foi uma loucura tal que até surpreendeu o próprio director do evento.

Ora, do que se sabe do espectáculo é que já correu mundo e que foi visto por 2 milhões de pessoas, em 11 mil representações e que foi encenado por um ex membro e fundador do Cirque du Soleil. E que mete cavalos. Muitos cavalos. Aliás, do que se sabe realmente de concreto e seguro, é pouco mais que isso… números. E tudo em grande, como as tendas e a publicidade que se lhe vai fazendo. Números. 60 cavalos, 37 artistas, 8 tendas, 200 camiões, mais 120 pessoas a dar apoio nos bastidores e as toneladas de fava e palha que são precisas para manter os animais…

Sabe-se que, antes de embarcar para Lisboa, os cavalos repousaram vários dias numa quinta do sul de França; sabe-se que a tenda dos estábulos tem ar condicionado; sabe-se que nesta pequena aldeia itinerante há também uma cafetaria e uma tenda VIP para receber os convidados famosos. Do espectáculo mesmo – e se já reparam na campanha que tem passado nas televisões … sabe-se que – segundo o New York Times, (que a campanha faz questão de citar, como sentença do mais alto e insuspeito valor…) segundo o New York Times, “Cavalia” é – cito de cor – um conto de fadas concebido por um dos fundadores do Cirque du Soleil. Uma vez mais, cita-se uma entidade – no caso o Cirque du Soleil – como se lhe reconhecesse uma autoridade, ou garantia de excelência acima de qualquer discussão ou suspeita… mas do espectáculo mesmo o que é que se sabe?...

Do próprio espectáculo diz-se, para além do que já se ouviu, que é romântico e alegre e que mistura cavalos com acrobacias e fantásticas projecções… Diz-se também, que em Lisboa já se venderam 15 mil bilhetes a preços que se ficam entre os 20 e os 150 euros, contas redondas…

Mas, enfim, resumindo, tudo o que se sabe são pormenores paralelos à própria função.

São números grandes… 2 milhões de espectadores, 200 camiões, 60 cavalos, tendas gigantescas… Tudo impressionante. Como os 15 mil bilhetes já vendidos, que até impressionaram o director da companhia…

Enfim, a verdade é que perante o sucesso já conseguido, mesmo antes da estreia… “Cavalia já conquistou Lisboa”, lembram-se do título?... e Lisboa por enquanto só viu números e tendas de oleado… pois se, mesmo assim, já é o sucesso que se vê… deixo a questão, se será mesmo preciso levá-lo à cena… Se não poderíamos ficar só por este delicioso suspense, este maravilhoso basbaquismo…?



Outro que se estreia ...

“Filme baseado em obra de José Saramago dá polémica nos Estados Unidos.”

É o ante-título, no 24 Horas. Depois em letra maior: “Protestos contra "Ensaio sobre a Cegueira" – porque é disso que se trata. Do filme do brasileiro Fernando Meirelles com Julian Moore, que há de estrear em Portugal lá para 13 de Novembro, mas que, antes disso, amanhã mesmo, estreia nos Estados Unidos da América do Norte.

E é essa estreia que está a dar polémica.

Polémica entre os invisuais – escreve o jornal. A Federação Nacional dos Invisuais dos Estados Unidos está a preparar um protesto contra o filme, porque, alegadamente, trata as pessoas cegas como monstros e isso é mentira. Disse Marc Maurer, o presidente da federação à Associated Press. Disse que “a cegueira não transforma as pessoas decentes em monstros”. Terá ainda acrescentado que o filme “não é uma alegoria muito inteligente para falar sobre o colapso da sociedade”. Os estúdios já lamentaram esta reacção e o anunciado protesto. Defenderam-se dizendo que o realizador teve a preocupação de respeitar a história original de Saramago. E o que a história original conta, em traços largos, é sobre uma estranha epidemia de cegueira branca, que gera o caos no seio de uma comunidade e leva o instinto de sobrevivência a opor-se à civilização.

Ora, para a Federação Nacional dos Invisuais dos Estados Unidos, estamos aqui perante um manifesto evidente. O de que a cegueira transforma as pessoas decentes em monstros. O que é uma rotunda mentira.

Claro que Saramago podia ter escolhido outro exemplo para ilustrar a parábola. Poderia ter-se recorrido dos surdos, por exemplo. Uma sociedade surda aos avisos gritantes, que lhe anunciam a barbárie e o fim da civilização, tal como a conhecíamos.

Mas, aí teríamos, nesta mesma lógica, uma qualquer associação de deficientes auditivos a reclamar…

Poderia Saramago ter usado a imagem de um louco. Um misterioso surto de loucura varrendo as cidades e semeando o caos nas nações… Mas aí, outros se ergueriam em protesto igualmente legítimo e em defesa dos psiquiatricamente loucos, dos alienados a sério, com diagnóstico feito e ficha clínica…

E depois poderia também, José Saramago, ter escrito um Ensaio sobre a Estupidez…

O quem em verdade e bom rigor não iria mexer muito com o essencial da história. Em vez de um surto de cegueira … uma pandemia de estupidez. Para todos os efeitos práticos, iria dar rigorosamente ao mesmo… a estupidez conduzindo as massas para o precipício, para o caos, para a morte. Estou mesmo em crer que só um cego é que não vê, que se lhe chamássemos Ensaio sobre a Estupidez, a moral da história mantinha-se intacta.

Seja como for, o filme estreia amanhã em 75 salas de 21 estados unidos da América do Norte.

Até lá, deixo-vos um provérbio chinês: Quando o sábio aponta para a Lua, o idiota olha-lhe para o dedo.

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