Ora, gente de boa vontade… vamos por aí.
Viana do Castelo. Fecha-se o zoom e estamos na aldeia de Darque, Viana do Castelo.
Foi aí, num contentor de 10 metros quadrados, que, nos últimos 20 anos, viveu Maria Augusta. Hoje tem 90 anos. 50 deles foram vividos a trabalhar na seca do bacalhau. Quando se reformou ficou a receber uma pensão de 15 euros por mês.
Por isso, passou a viver num contentor abandonado na berma da estrada, que leva à passagem de nível da Seca, na aldeia de Darque… No Verão não se pode com o calor, no Inverno é um gelo de morte.
Pois finalmente, Maria Augusta vai abandonar o contentor, onde viveu nos últimos 20 anos, e vai ter finalmente uma casa digna. Foi a Câmara de Viana do Castelo quem se encarregou de arranjar a casa e logo ali perto e mais ainda, será a própria autarquia a pagar a renda. Quer isto dizer que alguém de boa vontade acordou para a situação em que vivia esta senhora de 90 anos e resolveu interceder, em nome da solidariedade, em nome da dignidade, em nome de outra qualquer piedosa virtude?... Não tanto. O que acontece é que se vai construir uma passagem subterrânea da linha do comboio. O que faz com que a estrada, à beira da qual Maria Augusta vivia, vai ser fechada. O que faz com que as máquinas já estejam prontas para avançar com as obras. O que faz com que o contentor tenha que sair dali para fora. Para a sucata, para o lixo. Claro que ninguém teria coragem de nenhuma de duas coisas. Deixar a senhora ao relento, ou mandá-la para o lixo, juntamente com o ferro velho. Por isso lhe deram finalmente uma casa. Por isso finalmente repararam que havia alguém a viver num caixão de ferro de 2 por 5, à beira da estrada.
Afogamento, armas de fogo e enforcamento.
Sendo que, o enforcamento é o método mais utilizado, entre os suicidas de 16 países europeus, Portugal incluído. Porque é disso que o DN dá conta, na notícia que hoje ocupa quase meia página do jornal.
As mulheres usam métodos menos letais, enquanto os homens optam pelos mais eficazes.
Em Portugal, quase metade dos suicidas opta pelo enforcamento. Em segundo lugar surgem as armas de fogo – isto no caso dos homens, já as mulheres, no caso português e julga-se que pela extensão da costa portuguesa - as mulheres portuguesas escolhem o afogamento para consumar o suicídio. No resto da Europa é a sobre dosagem de medicamentos, a 2ª causa de suicídio entre as mulheres – em Portugal são muito poucas.
Tudo isto se conclui do estudo agora divulgado e que se chama "Métodos de Suicídio na Europa" e que pretende ajudar a identificar e limitar o acesso aos recursos disponíveis e mais comuns na prática do suicídio.
Ora bom, regressemos ao princípio. E no princípio anuncia-se – em título mesmo -que metade dos suicidas (subentenda-se: portugueses) opta pelo enforcamento. É também o que se pode ler na legenda da fotografia que ilustra a noticia. Diz assim: “52,3% dos homens portugueses optam pelo enforcamento” (poderíamos começar por aqui, pela concordância verbal – estou em crer que se deveria ter escrito que 52,3 % dos portugueses opta por… por aí fora, adiante.) A fotografia. Também fica por saber até que ponto ela fazia aqui alguma falta. Mas saltemos esse ponto e vamos à fotografia. De um enforcado?... Seria de muito mau gosto, mas faria sentido, atendendo à legenda. Mas não. A fotografia não é de um enforcado.
A fotografia foi tirada à beira de uma estrada. Isso percebe-se. E até podia ser à beira da estrada que cruza o vale de Alcântara. Mais concretamente sobre o viaduto Duarte Pacheco. Enfim podia ser, nada garante.
Há um muro baixo, protegido por uma rede e, pela copa das árvores em fundo, percebe-se que do outro lado do muro a altura deve ser considerável. Portanto, aquele homem, que ali está de costas para nós, em pé sobre o muro, olhando para baixo, braços caídos ao longo do corpo, estará a preparar-se para saltar. Prepara-se para se suicidar, saltando. Portanto e para já, ficamos a saber que este alegado suicida não pertence aos tais 50 e pouco por cento de que fala a própria legenda. Portanto, ou a fotografia não é dali, ou a legenda não tem muito a ver. Mas, a questão adensa-se, quando pensamos neste pequeno detalhe. Este homem, que aparece na fotografia, vai mesmo suicidar-se ou está só em pose para a fotografia?... O primeiro caso parece improvável, o segundo é de gosto duvidoso. Mas há mais. O homem que aparece na fotografia, alegadamente prestes a cometer suicídio, despiu a camisola, que pendurou na rede metálica atrás dele. E despiu mais. Despiu também as calças e descalçou sapatos e meias. Ou seja, o que se vê na fotografia é um homem, de costas para nós em pé em cima de um pequeno muro de pedra, vestido apenas com uns calções, que lhe dão pelos joelhos e com um padrão vistoso e colorido às riscas verticais. Enfim, como um vulgar calção de banho de praia. Ou seja, o homem que aparece na fotografia parece mais que vai saltar para uma piscina, do que para uma morte certa.
Ou seja, se uma imagem vale mais que mil palavras, também é verdade que, às vezes, mais vale ficar caladinho.
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