quinta-feira, 12 de janeiro de 2006






sei que, para muitos de vós, esta é já uma notícia sem interesse, por atrasada no tempo e desenquadrada da quadra. mas a verdade é que o assunto, por mais antigo e velho que seja, todos os anos volta a ser motivo de conversa, controvérsia e muita alegria: o nascimento do cristo, jesus de nazaré, filho da casa de david e do próprio espírito santo, por vontade expressa do inominável. pois a história começou a dar que contar logo desde aquela noite, em tudo igual a tantas outras noites na velha jerusalém, em que o fumo das chaminés perfumava o céu da cidade de aromas embriagadores e hipercalóricos, uma noite normal em jerusalém ocidental... uma noite normal, até que!


pois o resto é História com agHá grande e vem nos livros, os sagrados e os outros. esta que vos conto agora vem só nos outros, que foi onde a fui buscar, aqui há uns anos e que, desde então, me tem seguido como um cão com guizos. é a história de uma noite normal, também, como a que vos falava antes. uma noite de que se sabe que estava fria, porque o texto o diz expressamente e que seria de carapaus fritos ao jantar para alguém, eventualmente uma certa Conceição e um incerto José Quaisquer coisa...
Mas vamos ao ocorrido...


No meio de um grande cheiro a fritos,
irrompeu pela sala ao gritos,
c’uma espada de cartão,
o arcanjo Gabriel
trazendo na mão um papel
e estatelou-se no chão.
E a Conceição, que fritava
carapaus para o jantar,
entre divertida e zangada
perguntou com voz cansada:
“já nem se bate antes de entrar?!...”
E o arcanjo levantou-se,
tossicou e aprumou-se
e c’um olhar de desdém
lançou o papel sobre a mesa
e declarou com voz tesa:
“avé Coisa, vais ser mãe!”
E a Conceição, que fritava
carapaus para o jantar,
entre divertida e zangada
respondeu entaramelada:
“tu deves estar a brincar!”
E o arcanjo Gabriel,
muito senhor do seu papel,
muito senhor do seu nariz:
“vais ser mãe, foi decretado.
Vais conceber sem pecado,
o Senhor assim o quis”.
E a Conceição, que fritava
carapaus para o jantar,
largou o garfo da mão
e olhou o figurão
cima abaixo devagar:
“eu não sei o que tu queres,
mas bendita entre as mulheres
seja a perra que te pariu.
Espera aí um bocadinho,
se quiseres, tens aí vinho
e fecha a porta, que está frio”
E o arcanjo Gabriel,
muito senhor do seu papel,
lá cumpriu a profecia
e cedo, ao romper do dia,
bateu asas e partiu.

E o José nunca soube
bem ao certo o que é que houve...
mas, sem rancor e amarguras,
glória a Deus lá nas alturas.

Quanto ao rebento, pois bem
lá nasceu, forte e bonito.
Do pai, era a cara da mãe
e olhos de carapau frito.


passando ao discurso directo, é chegada, talvez, a hora e a altura de vos cumprir, ou justificar pelo menos, uma promessa que vos deixei, aqui há umas glosas atrás.
falo de uma certa assim chamada e auto proclamada antologia da poesia portuguesa de todos os tempos, mesmo os mais tristes e dificeis aos que ainda estão para vir. enfim, uma obra arrojada e corajosa, mas que, é como o outro, já está, já está.
entretanto, ou porque mudei de ideias e resolvi, afinal, não atirar nenhum dos textos para a rede, ou porque me deu a perguiça, até mesmo para voltar a pensar nisso, a verdade é que nunca o cheguei a fazer e já lá vão uns dias largos. mas festas passadas não pagam dívidas.
e porque me lembrei agora, lá vai
e aqui fica... respeitando e celebrando ainda, o mesmo é dizer, embebido do mais inefável espírito da época que ora fina... com todo o trapio... (entre parenteses para que conste e justiça lhe seja feita, a seguinte recreacão histórico-místico-gastro-enterolosófila foi recolhida por VS, o lucas, que fecha o parenteses em apreço)
... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Vieram três reis de longe,
até Belém, aos pastéis.
E apenas por três reis
foi até deitar por fora.
Vejam lá, se fosse agora,
nem com três contos de reis.
Vieram três reis de longe,
guiados por uma estrela
que lhes marcava o destino,
isto para além das outras
que marcavam as garrafas
que tinham, de Constantino.
Foram ter a uma gruta
e viram uma criancinha
c’uma rodela de ananás
à volta da cabecinha.

A mãe, a Virgem Maria,
e o pai, o Zé Carpinteiro,
como andassem sem dinheiro,
tinham feito uma vaquinha
c’a rapaziada amiga
p’ra comprar um aquecedor,
donde aquela história antiga
de que o bafo da vaquinha
era a fonte de calor.

“E o burro?”, perguntará
o leitor habituado
a estas coisas do Natal.
Pois bem, há dois em vez de um,
que é o que é habitual:
um sou eu, é bom de ver,
por estar assim a perder
o meu tempo desta maneira;
o outro é Vossa Excelência,
a quem gabo a paciência
de me estar p’r’àqui a ler -
não era então de prever
que daqui saía asneira?
...
(Não sei se já repararam,
mas no poema, afinal,
há apenas uma quadra:
é a quadra do Natal!)
... ... ... ... ...

Buzilames fracam zirgos
nas curinas ancoradas
farazuntam
buscam prigos
´lamastantam reicroadas

buzilames fracam tercos
pingoscai na mó de baixo
remiuntam
entre nercos
sabrimantam em descaixo

farazuntam
remistantam
entre nercos buscam prigos
enquantanto cresce o caixo
da ferúndia nos umbigos