Jornal de Notícias, página 24, “Barba por fazer dá multa de 10 euros”.
Assim mesmo. Numa fábrica da Trofa. Uma fábrica de transformação de subprodutos animais.
O jornal começa a prosa escrevendo que: “a empresa, célebre pelos cheiros nauseabundos com que há mais de duas décadas fustiga as populações vizinhas, parece agora querer também engrossar a lista das que violam as leis laborais…” Diz que o clima na fábrica é de cortar à faca. As pessoas vivem muito intimidadas, sujeitas a pressões e coacções se não cumprirem determinadas ordens. É bem possível que, entre as determinadas ordens, se encontrem outras a que o jornal não dá tanta importância, mas esta sim. A questão da barba por fazer. Numa ordem interna de serviço, o jornal leu que os motoristas da empresa , os que fazem as entregas de carne aos clientes, devem andar todos os dias devidamente barbeados e apresentáveis… Será estranho recomendar boa apresentação a quem tem que – como se costuma dizer – lidar com o público?!... Diz o jornal que há mesmo funcionários encarregues de verificar o escanhoado dos colegas…
A Direcção Regional do Porto do Partido Comunista já se pronunciou sobre a matéria, achando que – citemos – “é o espelho do grau a que chega a arbitrariedade, a exploração, a violência de direitos e da própria dignidade de quem trabalha.”
Mas há mais… há horas extraordinárias por pagar… consta que a escala suplementar de trabalho para entregas passou a ser aleatória, podendo qualquer motorista ser chamado a qualquer hora para o serviço e com a agravante, já se disse, dessas horas não serem pagas… Dizem os trabalhadores que até faziam o serviço de graça, mas assim não, a qualquer hora e sem dizer água vai é que não pode ser… a empresa justifica-se com o conceito de flexibilidade e – se é para endurecer o discurso … pois que quem não perceber isso não está ali a fazer nada e só tem de falar com a direcção comercial a ver se se descobre maneira de os tornar mais felizes… Também esta ironia caiu muito mal entre os trabalhadores… E como exemplo do tom intimidatório, que dizem reinar na fábrica, citam o caso de quem não usar o dispositivo regulador do líquido de lavagem dos carros fica também sujeito a castigo. No caso , é-lhes cobrado o suposto custo do alegado desperdício de referido detergente.
Entretanto, o administrador da fábrica justifica a questão da barba com a necessidade de higiene. Que a questão não se punha, se os produtos com que lidam todos os dias fossem embalados. O que não acontece, por isso, para além da barba feita, os motoristas têm também de usar , não uma touca, mas ,enfim, um boné. Já quanto a horas extraordinárias também diz que não. Que se paga tudo o que a lei manda e prevê e até mais do que isso. Ou seja, os motoristas para além do salário base têm comissões sobre as vendas e recebem um ordenado muito acima do que está no contracto colectivo de trabalho.
Bom, o Partido Comunista vai exigir uma acção da Autoridade para as Condições de Trabalho e vai confrontar o Governo com este caso… O Jornal, o JN, puxa outros exemplos, que considera semelhantes… como o das mini saias e decotes generosos – é o que diz aqui – decotes generosos na loja do cidadão em Faro. O assunto fez notícia em Abril deste ano… Ou o caso da escola de Leiria, que proibiu saias muito curtas e calças demasiado descaídas, apelando aos alunos para se vestirem e apresentarem com um ar limpo na escola… e por fim, junta o Jn no mesmo rol, o caso de algumas empresas de calçado de Santa Maria da Feira e S. João da Madeira, onde as idas à casa de banho eram controladas por cartão magnético e contabilizadas para efeitos de desconto nos ordenados…
E se estivemos todos com atenção, haveremos de ter reparado na diferença substancial entre pedir-se, ou exigir-se mesmo, um ar limpo e apresentável a um trabalhador e controlar-lhe as idas diárias à casa de banho. Enfim, se se concluir que o trabalhador em causa passa mais tempo a caminho da casa de banho, do que a trabalhar… descontar-lhe no ordenado talvez seja violento, mas , mandá-lo ao médico pode ser boa ideia. É que isso tem um nome e trata-se.
Sem comentários:
Enviar um comentário