terça-feira, 4 de novembro de 2008

Dia de eleições.

Dia de eleições. Escreve o jornal na página dedicada à programação televisiva do dia. E em dia de eleições, dois filmes sobre os Estados Unidos. Nem mais.

“Ray”, sobre a vida de Ray Charles. Filme que valeu o Óscar para o protagonista Jamie Fox e "Na Linha de Fogo" de e com Clint Eastwood. Dirty Harry faz aqui o papel de um segurança perseguido por uma falha no seu passado e que faz tudo para defender a vida do presidente norte americano. É o que diz a sinopse. Ambos os filmes passam esta noite.

Ora diz o título que em dia de eleições a televisão passa dois filmes sobre os Estados Unidos, ou onde, pelo menos, a acção e assunto se centram. A questão que fica em aberto é saber, se hoje não fosse dia de eleições, a televisão passaria que filme? O pátio das Cantigas, o Leão da Estrela?

Adiante. Filmes. Este é mesmo à americana. Até os actores falam em inglês, apesar da acção se passar em Portugal e o filme ser português.

O filme é de Leonel Vieira e chama-se A Arte de Roubar. O jornal, o Diário de Noticias escreve que Leonel Vieira brinca aos filmes americanos. O próprio já reconheceu a influência dos irmãos Cohen e de Tarantino, na realização desta Arte de Roubar. Muita violência, muito efeito especial. Só a pós produção levou quase um ano de trabalho, p'ra que vejam!... O filme começa com dois homens num carro. Um deles vestido de toureiro está a sangrar. O outro leva na mão uma orelha conservada entre dois gelados. O jornal não explica se a orelha em questão é de um touro que o toureiro tenha mutilado durante a lide, ou, mais sinistro que isso, é um orelha humana. A hipótese de ser uma orelha de porco pode afastar-se por absurda e sem contexto.

Palavrões. Ouvem-se palavrões, logo a abrir o primeiro plano da acção. Palavrões em inglês; ou melhor, em americano, que como se sabe, pelo menos nos filmes deste género, série B, filme negro, os palavrões em norte-americano têm outro impacto e de longe outro estatuto.

Continua o jornal, explicando o ambiente da fita: Um golpe que tinha tudo para ser perfeito, corre mal.

Ora o filme estreia 5ª que vem e, já se disse, é todo falado em inglês. O realizador quer acreditar que só esse facto lhe pode abrir as portas do mercado internacional. Diz mesmo que esta Arte de Roubar há-de vender mais lá fora do que qualquer filme português alguma vez realizado até hoje… E falam em inglês porque os protagonistas, no enredo, são dois emigrantes, um português e um espanhol que viveram nos Estados Unidos. Era essa a ideia inicial. Dois emigrantes que vivem, ou são expatriados dos Estados Unidos para as suas terras natal. Daí, pô-los a falar inglês. E já agora, porque o elenco é internacional também – portugueses, espanhóis, brasileiros – assentou-se que todos falariam inglês, sem grande preocupação de fingir que são mesmo nativos dessa língua, cada um como pode e sabe, mas em inglês. Até as personagens secundárias vão falar inglês. Aliás aqui, garante o realizador, ninguém há-de ir ao engano e, apesar das lezírias do Ribatejo se parecerem muito com o deserto do Texas, Leonel Vieira garante que toda a gente há-de perceber que são as lezírias ribatejanas, o cenário da acção. Diz que, o importante aqui são as personagens e não o lugar. E diz também, como já vimos, que espera que este filme tenha lá fora um sucesso como nunca o cinema português, mesmo falado em língua estrangeira, nunca alcançou até hoje. Garante que já tem sinais positivos nesse sentido. Ecos favoráveis. E nem é de estranhar. Coisa de que o mundo e os cinéfilos em particular estão famintos é de filmes falados em inglês, com ladrões e assassinos a dizer palavrões e a passear orelhas amputadas entre dois rajás fresquinhos pelas lezírias do Ribatejo.

E em dia de eleições presidenciais nos Estados Unidos da América do Norte é de toda a justiça que se destaque aqui uma figura central na história da jovem nação… O Homem Aranha. E já não é só um boato. A notícia acaba de ser confirmada pelo New York Times. O Homem Aranha está de volta com o quarto filme da saga. Os 3 primeiros renderam perto de 2 milhões de euros, é obra.

Este agora trás uma mais valia. É que o argumento vai ser escrito por um prémio Pulitzer: David Lindsay-Abaire.

O Diário de Notícias deixa a pergunta: depois de uma educação de excelência, reconhecimento global e a distinção com um prémio Pulitzer, o que resta a um proclamado intelectual que, apesar do título, nunca perdeu a paixão por tudo o que é pop?... Escrever o argumento para um filme do Homem Aranha, ora aí está.

A estreia está marcada para 2011 e recupera o actor Tobey Maguire, para o papel do protagonista e super herói e o de Sam Raimi, como realizador do filme.

Mas a surpresa é relativa, esta de um escritor premiado com o Pulitzer se entregar a esta escrita, que poderíamos eventualmente considerar menor… eventual e injustamente, diga-se sem rodeios. Já no segundo filme da série, a ficha técnica incluía o nome de outro premiado, Michael Chabon, vencedor do Pulitzer de ficção em 2001. O mesmo para Alvin Sargent – diz o jornal que é cavalheiro com história construída em Holliwood desde meados dos anos 60… também ele colaborou no argumento do 3º filme da série.

Quanto a David Lindsay-Abaire, já há dois anos deu que falar com a estreia, na Broadway, de Rabbit Hole – a cova do coelho, peça que lhe valeu 4 Tony's – incluindo o de melhor peça de teatro, desse ano. Antes, em 99, a crítica aplaudia-lhe Fuddy Meers, comédia que convenceu até os mais críticos da escrita de Lindsey- Abaire.

No cinema mesmo, a assinatura de David Lindsay lá está, na ficha técnica, como co autor do argumento do filme Robots. Filme de animação realizado em 2005.

Agora cabe-lhe inventar novas aventuras para o Homem Aranha. Um dos super heróis mais famosos dos Estados Unidos. Inventar-lhe perigos terríveis e aterradoras ameaças. Não a ele pessoalmente, coitado, mas ao pacato cidadão. Perigos e ameaças de que o Homem Aranha nos há-de proteger e salvar no meio e ao cabo de arriscadíssimas aventuras. Lances de cortar a respiração. Perigos de gelar o sangue. Sustos de morte. A tudo isso o Homem Aranha há-de fazer frente, para tranquilidade das nossas almas assustadas.

Porque a verdade é que o mundo se tornou um sítio perigoso onde se viver. Mais que uma frase feita, a realidade justifica o alarme. Obama ou Mccain? Em quem votará o Homem Aranha?

Não, ainda não foi tudo dito. Ainda não se escreveu tudo o que havia a escrever. Ainda não se contou tudo… Todos os pormenores. Todas as leituras. As entrelinhas…

Da eleições presidenciais norte americanas que hoje se decidem.

Obama e McCain… a Grande Luta. The Big Fight é como o Diário de Notícias lhe chama.

E a ilustrar a legenda está a fotografia. Pela legenda fica-se em crer que a fotografia foi tirada numa qualquer praia norte americana. E na fotografia vê-se que alguém construiu em areia duas gigantescas efígies dos dois candidatos e ainda, em ponto mais pequeno o próprio Capitólio – não o do parque Mayer, em Lisboa, obviamente, mas o de Washington, a famosa Casa Branca. Tudo isto foi construído sobre um fundo de areia colorida. Um fundo verde onde se abre em espécie de arco íris unindo os dois candidatos, a bandeira dos Estados Unidos.

Pelo areal, à beira mar, uma dúzia de pessoas observa a obra. Enfim, nem todas. Algumas passeiam-se pela beira do mar. Algumas arriscam mesmo dois passos dentro de água, a molhar os pés.

The Big Fight é também a legenda que o autor da obra gravou na areia, à laia de título.

Quanto ao DN, a legenda é outra. Começa por anunciar que é hoje

O grande dia. O dia das eleições nos Estados Unidos. Consta que sim. Depois, continua-se e aqui há que fazer a vénia e a reverência ao abnegado escriba da prosa que se segue. Há que lhe louvar o esforço. Vamos à legenda. “Os dois rostos escavados na areia profetizam um combate feroz, mas também uma mão cheia de antíteses. Obama está á direita” - e na fotografia está de facto – “mas a sua preferência politica pende para o lado esquerdo da balança.” Sorte a do jornalista, que se a fotografia tivesse sido tirada de outro ângulo, lá se ia o trocadilho… Adiante. Depois, continua a legenda no DN … depois, “só um dos candidatos vai morrer na praia e não os dois, como podem sugerir as esculturas que jazem no chão.” Disso já vos tinha falado, das duas esculturas que jazem no chão. E por fim, conclui o DN – “podemos dizer que Mccain está mais perto de ficar a ver navios” – ora aí está. Na praia, o mar ao fundo … sítio ideal para ver navios… - a ver navios, portanto, “pois o discurso de que a presidência é areia a mais para a camioneta de Obama não pegou”… esculturas de areia… areia para a camioneta…

Há profissões ingratas…. Haver há. Mas, neste caso, pelo menos, nem tudo é prejuízo. Longe disso. Depois de uma abordagem destas às espectaculares eleições presidenciais norte americanas, depois de uma prosa como a que tivemos o privilégio de ler, somos forçados a concluir que é possível sim senhor, fazer omoletas sem ovos.

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