É particularmente estranho, o facto de uma notícia destas, não sendo de última hora, não merecer o destaque de manchete na primeira página.
Mas é o que acontece. Não só não abre o jornal, como surge publicada, quase a medo, na direita baixa da última página. È verdade que o jornal, no caso, o Correio da Manhã, fez questão em publicar também a fotografia, aliás, duas fotografias da protagonista da notícia, mas, mesmo essas não trazem, não retratam a maravilhada surpresa, a mais que justificada alegria que haveria de inundar o rosto de Antónia Garrido, a miraculada. Porque é disso que se trata, de um milagre!
Antónia Garrido tem 62 anos, é espanhola e no último 13 de Outubro veio a Fátima, em peregrinação. Foi pedir à virgem que a curasse e lhe concedesse a graça de voltar a andar pelo próprio pé. Antónia Garrido, de 62 anos, diz a notícia que há 30 anos que não conseguia andar. E a Virgem de Fátima operou o milagre. Diz o Correio da Manhã, citando Antónia Garrido, que "quando chegou a casa voltou a andar".
E é tudo. Tudo o que a notícia diz. Das fotografias já vos disse que, também elas deixam uma sensação de que falta qualquer coisa. Numa, a senhora está de pé, apoiada a um pequeno altar de madeira, onde se encontra uma pequena figura da senhora de Fátima. Estará em oração. Como, na fotografia a senhora está em pé, encostada ao altar, fica-se sem saber se a fotografia foi tirada já depois do milagre, ou antes. O facto da senhora estar em pé, não quer dizer nada. Não quer pelo menos dizer que ela já consiga andar pelo próprio pé. Pode simplesmente ter-se encostado ao altar, em equilíbrio delicado, enquanto orava à Virgem. Ou não, pode estar já a agradecer-lhe a graça concedida. Na outra fotografia, tudo leva a crer que estamos já em Espanha, na casa de Antónia Garrido. Sentada num sofá, ela conversa com o jornalista, dando-lhe conta da cura milagrosa. E aqui, já que o momento não requer nenhum recolhimento ou solenidade em particular, seria de esperar que a expressão na cara da senhora fosse iluminada e feliz. Que diabo, segundo se conta, a senhora esteve 30 anos sem conseguir andar!... Hoje tem 62 anos de idade, o que quer dizer que quase metade da vida esteve paralisada até que, a 13 de Outubro passado, numa peregrinação a Fátima, o milagre deu-se e a Virgem devolveu-lhe o dom da marcha.
Ora, onde se quer chegar é aqui. Será assim uma coisa tão vulgar, o que acaba de ser relatado? Falo de milagres. Será assim uma coisa tão vulgar, aquilo a que se pode chamar um milagre? Tão vulgar a ponto de só merecer uma breve referência em fecho de edição. Ou será que em verdade e bom rigor ninguém leva muito a sério relatos destes?... O mesmo será dizer que ninguém acredita realmente muito em milagres e noticias destas o mais que merecem é essa breve nota, quase em pé de página?... Talvez só por uma réstia de respeito, ou porque os factos não aconteceram numa qualquer terra distante, onde nos habituámos a acreditar que vivem os bárbaros e os incivilizados, talvez só por isso é que esta noticia não saltou para as páginas dos acontecimentos bizarros…
Depois, a verdade é que não se devia a gente admirar, se milagres não acontecem mais vezes. Lembram-se da expressão quase apagada de Antónia Garrido? Ela, que havia de transbordar luz e alegria. Que havia de ser o espelho da gratidão e o mais que faz é olhar para o jornalista, como se estivesse a comentar o preço do pão, ou o aumento da pensão de reforma… É normal que não haja mais milagres… com gente tão mal agradecida.
Sem comentários:
Enviar um comentário