sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

este post é patrocinado pela alma bêbada do alexandre o'neill

O “Jornal de Noticias” trás hoje, já em fecho de edição, a denúncia de que há crianças – jovens actores, como lhe chamam – que estão a trabalhar fora da lei.
Cita-se o exemplo de 3 miúdos, que participam numa série televisiva e que o fazem sem a devida autorização da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens. Diz-se também que, só no primeiro semestre do ano passado, foram apresentadas 50 queixas, relacionadas com casos de menores a trabalhar em espectáculos e séries de televisão, sem cumprir o que a lei manda.
E o que a lei manda passa por, entre outras coisas, o exame médico que os capacita para o trabalho, um número máximo de horas – 6 – de trabalho semanal, uma cópia do respectivo contracto de trabalho e, claro está, a autorização dos pais da criança. As multas podem chegar aos 50 mil euros…
E estas são regras que se aplicam a todos os miúdos menores de 16 anos, que trabalhem na área do espectáculo – televisão, cinema, teatro, moda, circo, por aí…
Logo aqui se abre uma primeira questão - e muito sinceramente gostava de a ter esclarecida - respeitando esses mesmos princípios enunciados e os outros que não referi – que a lei, nesta matéria articula-se em 10 artigos que definem claramente as condições impostas - pois respeitando esses princípios, que diferença haverá entre entrar numa telenovela, ou trabalhar num circo e noutra qualquer actividade profissional?! Enfim, menos espectacular certamente será, mas não menos digna e se calhar até mais útil… Mais útil mesmo até para a própria criança.
Acontece, entretanto, que as próprias produtoras de televisão – cita o “JN” – acham que a burocracia, que envolve o processo, leva muitas vezes a que se ultrapasse a lei pela direita… enfim, que se avance com a produção enquanto a papelada se resolve – isto em bom português - porque o ritmo de produção é muito intenso e não se pode ficar à espera… Ora esse ritmo de produção frenético - o jornal cita uma produtora, que diz mesmo que aquilo que a lei prevê não se coaduna com o ritmo da produção televisiva e , por isso mesmo, pede maior agilidade no processo… Esse ritmo frenético já me parece – e à partida – um ambiente um pouco mal são para uma criança… mas contra isso , se calhar não se pode fazer nada.
Agora, onde se poderia fazer alguma coisa… não sei se a lei o prevê… era acautelar que os miúdos não fossem convidados, contratados, aliciados, o que seja para séries e novelas de tão má qualidade. Com textos tão estúpidos e contracenas tão cabotinas… Acautelar que não cresçam com uma visão tão medíocre da realidade… E depois, já agora, que lhes não metam ideias erradas na cabeça. Eles são novos, há ainda muita coisa que não sabem, nem podem compreender… É por isso, no mínimo, injusto deixar que acreditem que são qualquer coisa parecida com um actor de teatro. É que, em boa parte dos casos, o mais que conseguem é estar à altura da contracena. O que, também em boa parte dos casos, não é coisa que orgulhe ninguém. A verdade mesmo é que, acauteladas todas as exigências legais, bem melhor fora que aprendessem a plantar batatas.

Aqui há uns anos – depois passou, mas houve essa norma – certos filmes, as crianças, os menores eram autorizados a assistir, desde que acompanhados por um adulto, que se responsabilizasse por isso. Isso : assistir a um filme que, à partida, e para quem os classifica, seria eventualmente menos próprio para essas menores idades…
Ora, depois de ler esta notícia que desce de Londres, levanta-se a hipótese da regra se recuperar e estender, no caso, aos museus britânicos…
Mas vamos à notícia, que para nariz de cera, já chega.
Metro de Londres proíbe "Vénus" nua do Século 16. A "Vénus" em causa é de Lucas Cranach – o Velho. Pintou-a em 1532, nua, só com uma gargantilha e um fio pendendo sobre o colo alabastrino.
E foi este quadro que a Royal Academy of Arts escolheu como cartaz da primeira grande exposição de Lucas Cranach, em Londres. Um cartaz, que haveria de ser afixado pela cidade, anunciando o evento. Pelas ruas de Londres e nas paredes do Metro, também.
E aqui é que a história se complica. É que a administração do Metro de Londres acha mal, afixar nas paredes, à vista de todos, a imagem de uma mulher nua. Acha impróprio para os passageiros, serem confrontados com essa imagem, enquanto esperam o comboio.
A verdade é que a lei – no caso – o regulamento interno do Metro de Londres proíbe expressamente a afixação de
"publicidade mostrando homens, mulheres ou crianças de forma sexualizada, ou corpos parcial ou totalmente nus, num contexto abertamente sexual".
Já em 2001, pelas mesmas razões, tinha o Metro recusado um retrato da condessa de Oxford, obra de Peter Lely. O argumento foi o de que, no retrato, se revelava um seio da condessa.
Os responsáveis pelo museu dizem que não têm um plano B, com a "Vénus" vestida, para não chocar o Metro de Londres, ou os seus utentes… A comissão de Cultura e Media, do Parlamento inglês, considerou, por seu lado, a decisão do Metro como "débil" e aconselhou o museu a não alterar o cartaz, nem a campanha de promoção da exposição – que, já agora, inaugura a 8 de Março…
O presidente da Comissão acha impensável que um quadro pintado há 500 anos possa chocar alguém.
E aqui entreabre-se alguma reserva ao argumento, mas nada de mais. A verdade é que, há obras ainda mais antigas, que continuam a chocar muitas sensibilidades e, nalguns casos, é isso justamente o que lhes confere a eternidade...
Diz o presidente da Comissão que é impensável que um clássico possa chocar… continuamos na mesma e pelas mesmas razões… ser um clássico não o torna mais pacífico, ou consensual, ou até mesmo, exemplo de quaisquer virtudes… por isso adiante…

Adiante, que a questão nem é sequer avaliar e muito menos julgar os critérios morais, éticos, ou o que seja da administração do Metro de Londres, ou da própria sociedade londrina. A questão é outra .
Primeiro e a saber… se o metro de Londres mete no mesmo saco a "Vénus" de Cranach e, por exemplo, a Carla Bruni, ou a Kate Moss a vender lingerie… Revelaria já uma visão bastante avançada. De quê, não sei. Mas de qualquer coisa haveria de ser! Poderia ser da Arte em particular, ou dos Bons Costumes em geral… E a verdade é que, o Metro de Londres, parece que sim… que é o que faz. A Kate Moss e a "Vénus" de Cranach, para o Metro de Londres e para o que interessa, são a mesma coisa.
Em aberto fica ainda e entretanto essa tal hipótese desvairada, que adiantava ao início. A dos museus britânicos passarem a fazer depender, a entrada de menores, de uma espécie de termo de responsabilidade, de um adulto que o acompanhe. Ou , ainda , afixar um aviso X-Rated, à entrada de certas galerias, ou museus de pintura.
Em aberto fica ainda – e deus nos guarde que – no topo da infâmia (relembre-se a sorte que teve o retrato da duquesa de Oxford) – há que – por essa ordem de razões – considerar a Virgem com o menino ao colo!…
Mais ainda, se a Virgem estiver a amamentar o menino Jesus!
Aí, entramos claramente no campo da heresia.
Vá de metro, Satanás!

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