quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

salazar e os azulejos

Verdade seja dita, que a sentença pode ter duas leituras, como quase tudo na vida, por isso, não será por aí que havemos de ir, nem já…
Antes vamos aos factos: foi vandalizado o jazigo de Salazar no Vimieiro. De manhã, ainda se via lá a pedra, que partiu o azulejo com a fotografia do ex governante. O sobrinho de Salazar já fez queixa ao Ministério Público. Dizem gentes da terra, que já não é a primeira vez. O Diário de Notícias cita um morador de Santa Comba, que diz que já o ano passado – passemos ao discurso directo: “vieram aí uns malandros que partiram várias coisas no cemitério”. Desta vez, foi a cara de Oliveira Salazar, pintada em cerâmica, numa pequena moldura, colada a meio da lápide que encerra o jazigo. "Gente ruim que nem os mortos respeita…” é o que se diz em Santa Comba.
E com toda a razão.
Mas atentemos um pouco mais de perto na fotografia que o DN traz a ilustrar a notícia. A do jazigo em causa. Encimando a lápide de mármore negro que ostenta a ultrajada fotografia, uma outra pedra, branca esta, faz ressaltar o negro da sentença. E reza assim, o encómio:
O HOMEM MAIS PODEROSO DE PORTUGAL
DO SÉCULO 20 E MODESTO SEM IGUAL
NASCEU HUMILDE E HUMILDE CRESCEU
VIVEU HUMILDE E HUMILDE MORREU

E até aqui, vamos indo… agora, a fechar, lapidar e definitivo o que faltava dizer…

Citemos: "MEDIOCRE É O POVO QUE COM ELE NADA APRENDEU”.

Aqui, o “aprendeu” é para rimar com “cresceu” e “morreu”, na mesma lógica, supõe-se do “igual”, que rima com “Portugal”… mas isso ainda é o menos.
Diz que medíocre é o povo que nada aprendeu com Salazar… Enfim, só esta já é uma sentença de interpretação vária e dúplice leitura, como já tínhamos começado por dizer, quando ainda não vos tinha dito sequer do que é que estava a falar.
É de dupla leitura, mas nenhuma de grande recomendação…
Ou seja, o povo será miserável por não ter aprendido a lição, o espírito, o génio, o que fosse de Oliveira Salazar? Ou, como quem diz: o povo nunca o mereceu, nem soube entender?... Ou miserável será, se não tiver aprendido a estar à altura de futuros e semelhantes cenários? Como aquele em que Salazar governou Portugal… Ou seja, não deixar, pelo menos, que ninguém se deixe ficar por S. Bento, assim tanto tempo seguido, sempre a trabalhar, sempre a governar e a fazer coisas…

A verdade é que, é muito pouco provável que tenha sido o próprio Oliveira Salazar a redigir, ou a deixar escrita a lapidar quintilha, que lhe honra a memória. Alguém o terá feito por ele, o que, se por um lado o inocenta da blague, por outro não limpa o insulto. A verdade é que o jazigo de Salazar há-de ser visitado, de vez em quando que seja, por pessoas, não forçosamente da família mais chegada, mas gente que, por curiosidades várias, históricas, turísticas, por ódios ou afectos o faz, em excursão guiada, ou solitária visita… É normal que assim seja, já que se trata de uma figura de Estado. E não de um Estado qualquer! Do Estado Novo, precisamente! Uma época marcante da nossa História. É natural. E é natural que se sintam indignadas, por razões várias, com a profanação, o vandalismo de que a sepultura foi alvo e tem sido, ao que parece, pontualmente, ao longo dos anos… Indignadas, ainda mais numa sociedade, cujo culto dos mortos é matéria sensível e a merecer toda a circunspecção… e que não fosse!
E os que falam português?! Como se sentirão ao ler essa afirmação peremptória?! “Miserável é o povo que com ele nada aprendeu”?!!...
Nunca o próprio, em vida, se atreveria a ir tão longe no desencanto e na revolta.
A verdade é que é capaz de haver alguma razão, remota que seja, nisto tudo… Talvez o povo ainda não tenha aprendido tudo o que havia a aprender nalgumas matérias, como por exemplo, que não é à pedrada que se limpa a honra , nem rebate insultos… Mas vamos lá, não será ainda razão que chegue para chamar miserável a uma pessoa! Tanto mais que, tudo leva a crer que esta lapidar afirmação já lá estava, no jazigo, antes mesmo de alguém ter começado a jogar-lhe pedras e a partir coisas.
Enfim, a verdade é esta, é que, miserável ou não, o povo ainda cá está e o senhor já faleceu. Paz à sua alma e já agora também aos azulejos.

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