terça-feira, 7 de julho de 2009

isto é um desassossego do escanfandro

No JN, até se publica a fotografia do cartaz, para que não restem dúvidas e se perceba melhor o efeito e o impacto da coisa… Sobre um fundo indistinto, duas mãos soltam em voo uma pomba branca. Ao lado, em colagem, a fotografia de um caixão e por cima a legenda . E o que diz o anúncio?... Diz assim: “Oiça a Rádio Santiago e ganhe um funeral”.

“Tenha o funeral dos seus sonhos” – é o que se ouve, entretanto, nas emissões da Rádio Santiago, de Guimarães, diz o JN… O grupo, que detém a rádio, é também proprietário do jornal “o Comércio de Guimarães” , do “Desportivo de Guimarães” e da revista “Bigger Magazine” e está, portanto, segundo o jornal, a promover um concurso, cujo prémio é a oferta de um funeral.

Ao JN, Häendel de Oliveira, o administrador, disse que a ideia surgiu “na linha de postura de inovação que a empresa tem seguido” e dá exemplos. Já se fizeram, na Rádio Santiago , passatempos que ofereciam vacas vivas, porcos ensebados , ou esse outro, que escondeu notas pelos jardins, para uma espécie de caça ao tesouro, calcula-se… Diz o administrador, que Portugal tem falta de ideias e que é preciso inovar e fazer coisas diferentes. E assim foi feito.

Para ganhar o funeral, basta recortar os cupões, que vêm impressos nas publicações do grupo e de que já falámos… o Comércio de Guimarães, o Desportivo e a tal revista com nome em estrangeiro. Diz ainda, o administrador, que sabe que esta é uma acção de choque, mas que há que reconhecer e admitir, que muita gente desconta todos os meses, qualquer coisinha, para pagar o próprio funeral, daí que, não ache nada do outro mundo, o passatempo que propõe. É o que se costuma chamar, juntar a fome com a vontade de comer… se me permitem o plebeísmo

E porque de uma campanha de marketing se trata, há que ter um slogan à altura. Directo e decisivo, fulminante e demolidor … para o caso escolheram este: “Rádio Santiago e os seus ouvintes… juntos até que a morte os separe.”

E os meus amigos o que acham?… quer dizer, qual preferem... Este , “juntos até que a morte os separe”…ou o outro que dizia… “tenha o funeral dos seus sonhos”… é melhor este não é ? O até que a morte os separe faz lembrar mais um casamento do que um funeral, não acham?


E o desassossego… no caso, o “Livro do Desassossego” de Pessoa.

Diz que “há frases do livro que pedem cinema” e foi por isso que, apesar de muitos considerarem que é impossível, passar o “Livro do Desassossego” ao cinema, João Botelho está apostado em fazê-lo.

O protocolo foi ontem assinado na Coelho da Rocha, na casa Pessoa. O protocolo com a Câmara de Lisboa, que vai financiar em 200 mil euros a realização do projecto.

Trinta anos depois da “Conversa Acabada”, João Botelho volta a Fernando Pessoa, para aquele que considera “o mais arriscado dos projectos”, em que até hoje se envolveu.

E temos a fotografia, que o Correio da Manhã publica para ilustrar o momento solene, dos cumprimentos entre o realizador João Botelho e o presidente da Câmara, António Costa. Diz a legenda: “António Costa cumprimenta João Botelho sob o olhar atento do produtor Alexandre Oliveira”. Ora, o que acontece é que, enquanto António Costa cumprimenta, sorridente e inclinado em reverência, o realizador João Botelho, este estica-lhe o braço, meio de esguelha, enquanto olha na direcção do fotógrafo. Ao lado, lá está de facto o produtor Alexandre Oliveira, da Ar Filmes… quanto ao olhar atento, já é outra coisa. Oliveira olha, declaradamente para fora de campo, de sorriso rasgado. Pode estar a olhar atentamente para alguma coisa, mas não seguramente, nem para o presidente da Câmara, nem para o realizador, nem para o efusivo cumprimento que ambos trocam. Aliás, pela fotografia, parece que a única pessoa que está atentamente a fazer qualquer coisa é o próprio presidente António Costa.

Mas, regressemos ao filme, para citar João Botelho, tal como o Correio da Manhã o faz, logo à entrada da prosa. Diz assim - João Botelho, claro – : “ Antes deram dinheiro ao Saura (Carlos Saura) para filmar e mal, o fado, agora que mo deram a mim, pode ser que eu filme e bem, Pessoa”.

Pode ser que sim… Esperemos todos que sim. Façamos todos um esforço colectivo de concentração solidária para que sim. Rezemos, para que sim. Acendamos as velas, que as nossas devoções permitam, para que sim. Invoque-se o próprio Pessoa e respectivos heterónimos, que é Hora!

E mesmo que não fosse, 200 mil euros sempre é dinheiro e o tempo não está para festas.

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