quarta-feira, 1 de abril de 2009

o dia de todas as mentiras

“Todos os anos e sobretudo quando o tempo se torna mais quente, milhares de africanos embarcam numa tentativa arriscada de imigrar para a Europa. Vão sobretudo para a ilha de Lampedusa, em Itália, onde depois procuram asilo ou o estatuto de refugiado”.

É assim que começa o texto anexo à notícia principal, nas páginas do Público. E a notícia principal dá conta das centenas de africanos, que naufragaram este fim de semana a caminho do sonho europeu. Salvaram-se 23 pessoas, mas há muitas ainda à deriva no mar. A Líbia confirmou o naufrágio de pelo menos um barco, com 247 pessoas a caminho de Itália, 200 pessoas são dadas como desaparecidas, ao largo da costa Líbia. A Organização Internacional para as Migrações anunciou entretanto que, desde este fim de semana, ter-se-ão registado 3 naufrágios. Nos últimos 3 dias saíram da Líbia vários barcos com imigrantes ilegais a bordo. Em direcção a Lampesuda, a ilha que tem servido de porta de entrada para a maior parte destes imigrantes. Um porta-voz da Organização até já disse que começou a época do tráfego de imigração.

O mau tempo foi um dos responsáveis pelos naufrágios, juntamente com o já tradicional sobrelotamento das embarcações. Ontem o tempo melhorou e as buscas foram retomadas para encontrar os corpos dos náufragos. O Ministério líbio do Interior diz que deverão prolongar-se pelo menos até amanhã. Dos 23 náufragos já resgatados, 17 foram internados em estado grave e os restantes transferidos para um centro de detenção, na Líbia.

O ministro italiano do Interior já disse entretanto que, a partir de 14 de Maio, acaba-se com a imigração clandestina. Assim mesmo. Roberto Maroni lembra que a partir dessa data entram em acção as patrulhas coordenadas pela Itália e pela Líbia, para vigiar as costas e as águas do mediterrâneo entre os dois países. Já o porta-voz da Organização da ONU para as Migrações alerta para os efeitos perversos desse tipo de controlo… Perversos, porque levam à procura de rotas mais perigosas.

Há ainda a notícia de um outro barco, que levava 350 pessoas e que estava prestes a afundar-se, junto a uma plataforma petrolífera ao largo da Líbia. Foi interceptado pela guarda costeira. Os passageiros foram todos resgatados com vida e levados para terra, para o porto de Tripoli, para posterior repatriamento para as terras de origem.

E eles vêem um pouco de todo o lado. Entre os cadáveres recolhidos no mar mediterrâneo, 10 eram egípcios, dos outros desconhece-se ainda a nacionalidade, mas sabe-se que costumam vir da Etiópia, Somália, Nigéria, Argélia, Marrocos, Tunísia, ou até mesmo da Palestina…

O que se sabe, ou pelo menos desconfia fortemente é que, apesar da entrada do texto com que começámos… lembram-se? “Todos os anos, sobretudo quando o tempo se torna mais quente, milhares de africanos embarcam numa tentativa arriscada de imigrar para a Europa…” pois apesar disso, não será decerto a procura de um brisa mais fresca , o que faz estas pessoas arriscar a vida nestas aventuras de sucesso mais que duvidoso.

Como disse António Guterres, a propósito e enquanto alto comissário da ONU para os Refugiados… “Este incidente é o último exemplo trágico de um fenómeno global na qual as pessoas desesperadas tomam medidas desesperadas para escapar aos conflitos, às perseguições e à pobreza em busca de uma vida melhor.”

E acontece que, à excepção do Jornal de Notícias, mais nenhum dá a esta notícia destaque de primeira página. No Público, por exemplo, é a cimeira do G 20, que faz a manchete do dia. Melhor, a chegada de Barak Obama a Londres para a cimeira do G20 e diz a legenda que a cimeira foi convocada para resolver a crise e que Barak Obama joga, a partir de hoje, a liderança da América no mundo.

Ora, se o desafio é colocado a este nível, talvez seja mais urgente encontrar uma resposta eficiente e digna, para o problema destes imigrantes… Uma resposta que não se esgote num policiamento minucioso das fronteiras e no repatriamento dessas pessoas à miséria e inferno de onde vieram. Assunto mais sério, pelo menos, do que equilibrar a balança de pagamentos dos países mais ricos.

É que, isto de ser o melhor do mundo, é verdade que será mais fácil do que ser apenas bom, mas sempre acarreta uma certa responsabilidadezinha, apesar de tudo.

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