segunda-feira, 21 de abril de 2008


E vamos ao que importa, que de repente a história ganhou fórum de parábola de bom proveito e exemplo. Enfim, o bom proveito não tem forçosamente a ver com o facto da matéria em análise ser matéria comestível.
Falamos obviamente do caracol. Que hoje foi noticia, porque uma empresa de Torres Vedras quer ser líder europeia no sector. O da produção e venda de caracóis.
Os caracóis de Torres Vedras, da Escargot Oeste. De momento a empresa tem uns 20 mil exemplares reprodutores em cativeiro e quer aumentar a colónia para os 100 mil. É um aumento de peso. Mais… e chegamos ao que importa – a Escargot Oeste quer ser líder europeia na exportação da baba do caracol! Nem mais. É que a baba do caracol está a revelar-se como a nova coqueluche da cosmética. A baba do caracol é usada cada vez mais em cremes e loções e bálsamos variados. Mas há que atentar neste essencial! É que a baba em questão há que recolhê-la de caracóis sob pressão psicológica. Vulgo: caracóis em stress. Consta – cientificamente, parece – que, sob stress, os caracóis, como nós todos, afinal, segregam uma qualquer substância que – ela sim - terá as tais propriedades cosméticas, que já se vão anunciando em embalagens avulsas de cremes e outros unguentos…
Será adrenalina. A não muito falada, mas ao que consta bem real, adrenalina do caracol?... Será.
Ora, se for, temos aqui já um problema… é que se exclui da lista, pelo menos à partida, os caracóis que vivem em estado selvagem. Enfim, também terão as suas razões para stress, como todos nós, no dia a dia, mesmo sem restrições especiais à nossa liberdade. Claro que, num ambiente de reclusão, a ansiedade será forçosamente maior e a tal secreção há-de aumentar à proporção do estado de nervos da criatura em questão. Daí que, obviamente, a baba dos caracóis em cativeiro será forçosamente a mais indicada para o propósito. Vivem em ambientes fechados e sobrelotados, sem muito mais que fazer que comer, dormir e procriar… o estado de insatisfação e ansiedade há-de atingir níveis insuportáveis, até mesmo para um caracol.
Se, avisadamente, o criador lhes criar um ambiente de vida ainda mais insuportável, por exemplo ir-lhes infernizando diariamente a vida com notícias desagradáveis, ou pequenas contrariedades , então aí a produção há-de subir em flecha e superar todos os mais altos padrões de excelência.
Claro que sobra entretanto um outro pequeno problema.
É que a situação … enfim, o mercado exige que a baba seja colhida de um animal sob stress… ora tendo em conta o terrorismo psicológico que qualquer detenção arbitrária – como é o caso dos viveiros de caracol – implica , é de prever uma reacção enérgica e inequívoca dos defensores e protectores dos direitos dos animais. É de esperar. É de toda a justiça e pertinência.
Por outro lado há ainda este pequeno pormenor. O do caracol que não se baba. Nestes casos as hipóteses são poucas. Não a de um caracol não se babar, que já vos deve ter acontecido ver alguns… pois nestes casos, das duas uma, se o caracol não se baba é porque: ou está a hibernar, ou atingiu finalmente o estado de Buda. Sem stress.
E é sem stress que vos aconselho a guardar esse exemplo que a fábula nos deixa: se levarmos a vida com uma certa calma, podemos poupar-nos a muitos e desagradáveis problemas. A alguns vexames, mesmo.

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