segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O que é que Paulo Pitta e Cunha tem, que o normal cidadão contribuinte pagador de impostos não tem?... Tem direito a página inteira e chamada de capa, na edição de hoje do Público!
Pitta e Cunha é fiscalista e o pai do IRS e do IRC. É assim que o Público o identifica, na chamada de capa: "O pai do IRS e do IRC penhorado pelo fisco depois de pagar dívida".
A Direcção Geral de Impostos terá penhorado uma conta bancária de Pitta e Cunha, por alegada dívida de pouco mais de 340 euros.
O jornal continua, na mesma chamada de capa, que a penhora ilegal nunca foi devidamente comunicada ao contribuinte e que foi efectuada já depois da alegada dívida ter sido paga.
Continua – e ainda não saímos da capa – que a penhora foi entretanto anulada, depois do fiscalista ter escrito ao, na altura, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Amaral Tomaz, e ao novo responsável pela pasta, Carlos Lobo. As Finanças garantem que o levantamento da penhora não tem nada a ver com as cartas de reclamação escritas pelo fiscalista Pitta e Cunha…
E poderíamos ficar por aqui. Poderíamos até dizer: ainda bem que tudo se resolveu! E pronto. Ficaríamos sempre sem saber porque é que a notícia tem o destaque de capa, que o Público lhe dá… mas, ficaríamos esclarecidos para todos os efeitos práticos.
Acontece que a notícia traz desenvolvimento de página inteira, na secção de Economia. Em ante-título anuncia-se que a Fazenda foi obrigada a recuar… isso já sabíamos. Vinha na capa. Diz que o pai do IRS foi vítima de penhora após pagar dívida… também já nos tinham dito. Que o fisco mandou congelar a conta do fiscalista e que ele denunciou a situação e que entretanto a penhora foi anulada…. Idem aspas, também já sabíamos.
Entremos então no corpo da notícia, à procura de novidades, obviamente. Desenvolvimentos…Informação que não tenha cabido na chamada de capa e que justifique a página inteira… E o que se fica a saber?... Pouco mais do que, tudo teve a ver com alegados desencontros burocráticos. Cartas que chegaram fora de tempo, ou quando os destinatários estavam de férias e a casa sem ninguém para receber o correio. Ficamos a saber também que Pitta e Cunha pagou o que se lhe pediu e nem reclamou dos juros de mora, só para não atrasar mais o processo e encerrar o assunto de vez. Ficamos finalmente a saber que, só à terceira é que o fisco se convenceu que Pitta e Cunha tinha as contas em dia e lhe levantou a penhora.
Processo kafkiano, diz o fiscalista. Na carta que enviou ao fisco, Pitta e Cunha denuncia a arrogância da administração para com o contribuinte, o desprezo pelas regras mais elementares de informação e comunicação, a grosseira desproporção entre as acções determinadas e as situações e valores em causa, a atitude atrabiliária fiscal. Pitta e Cunha fala numa espécie de sanha da administração contra o contribuinte, considerado pelo sistema como um presumível criminoso.

Ora bom, vamos lá a ver se a gente se entende!

O que aconteceu a Pitta e Cunha, acontece diariamente a muito bom contribuinte deste país. Uns reclamam, outros pagam e calam.
Nenhum deles terá algum dia o destaque que Pitta e Cunha merece na edição de hoje do jornal Público.
Porquê? Talvez nunca o venhamos a saber. Como talvez nunca cheguemos a saber o que é que o Público viu de tão transcendente na história, que lhe merecesse o destaque de capa e a página inteira.
Pitta e Cunha nunca poderia ser excepção, quando se fala em sobressaltos fiscais da natureza deste de que se fala… Ainda se se provasse que o fiscalista estava realmente em falta… ainda poderia servir de proveito a alguém, o mau exemplo... Mas não; quem falhou foi a máquina fiscal, a burocracia das finanças…e isso…. Desde quando é notícia?

E assinala-se hoje o 2º aniversário da lei das armas.
Vem, por exemplo, no Diário de Notícias, que, 2 anos passados sobre a aprovação da lei, diminuiu a procura, o pedido de licenciamento de armas, em Portugal.
O jornal conferiu os dados com a PSP, que justifica estes dados com o rigor da lei, que exige, por exemplo, um curso de formação específica, aos candidatos à licença de uso e porte de arma.
Hoje, a Comissão Nacional Justiça e Paz reúne-se com o secretário de Estado da Administração Interna, em audição pública, para esclarecer melhor algumas pontas soltas… a saber: como é que os mecanismos de registo, formação e acompanhamento do comércio estão a ser aplicados pelas autoridades.
Em 2006, a polícia apreendeu 6500 armas de fogo não licenciadas. Duas mil eram ilegais. Deste total, dois terços – se não foram destruídas, ou incluídas no museu da PSP – estão a ser analisadas para serem ou não legalizadas e devolvidas aos donos.
Para a Comissão Justiça e Paz, mais ainda que saber quantas armas foram apreendidas, ou registadas, importa saber como é que a polícia controla e acompanha o comércio das armas e o uso que se lhes dá. Saber até que ponto a polícia controla o uso criminoso dessas armas e ainda – não menos importante – saber porque é que as pessoas as compram! Conhecer os factores de medo e insegurança, que levam as pessoas a comprar uma arma de fogo.

Outros relatórios, estudos, avaliações… Mais de mil portugueses inquiridos e o resultado diz que “os ciganos continuam malvistos, pelos que não se acham racistas”.
È assim que o DN abre a notícia.
Os portugueses terão interiorizado esse conceito de que ser racista é feio e não faz sentido. Uma coisa racional, inteligente, adquirida. Sabem que não é bom ser preconceituoso, mas… se lhe perguntarem, 61% acha que os ciganos são maliciosos… 70% acha-os preguiçosos… 67,5% que são mentirosos e, em 44% dos casos, o português não quer os filhos a brincar com os filhos dos ciganos, ou que se lhe cheguem perto sequer…
O estereótipo tem muita da culpa nestes casos… Manuel Carlos Silva, da Universidade do Minho, reconhece que são barreiras difíceis de vencer… um incidente isolado, diz o investigador,
“valida o estereótipo que 40 ou 50 casos contrários não conseguem reverter”.

Chama-se: Relações Interétnicas, o estudo. Foi elaborado há 2 anos e vai ser hoje debatido, num seminário sobre migrações e preconceito, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Quanto ao resultado … tem o valor de referência que tem e a mais não pode ser obrigado, já que – e voltamos ao princípio – muita gente terá viciado a resposta só para ficar bem vista… porque aceita, como consensual e politicamente correcto, afastar toda a sombra de pecado, quando se fala em racismo, discriminação, xenofobia, segregação…
Mesmo que na prática se tenha um comportamento bem diverso.
Ou se quisermos… o facto de não o reconhecer publicamente não quer dizer nada… é como ter em casa uma Kalachnicov por registar…

Sem comentários: