terça-feira, 13 de dezembro de 2005


Não gozes com a Luizinha
Que o pai dela é guarda freio


Tu estragas-me com mimos
Se vamos ao cinema
Trazes a prima e os primos
És cheia de surpresas
Se vamos ao café
Só olhas para as outras mesas
És mesmo especial
Já sei o que vou dar-te
De presente p’lo Natal
A borla de um boné
Um saco de farinha
Duas sacas de café





e daqui vos anuncio em primeira mão e em directo a futura publicação de uma assombrosa pérola da literatura actual de todos os tempos, até mesmo dos mais conturbados e cinzentos.
falo-vos, pois de uma sofisticada e cuidadosa antologia da poesia portuguesa desde a idade média e até amanhã. obra asseada e respeitadora do mais indelével rigor histórico e linguístico.
obra de que vos deixo uma pequena introdução explicativa exaustiva quanto baste e vaga até á exaustão


A poesia portuguesa através dos tempos
Isto a poesia portuguesa através dos tempos já é uma coisa muito antiga.
País de poetas e de marinheiros, uma boa parte da produção poética nacional tem muito a ver com água. Senão, vejamos: grandes obras escritas aos tombos nos tombadilhos, poetas enjoados, poemas de ler e mandar borda fora, poesia de água e sal, literatos enfunados e cheios de proa, vates a remos e epopeias a vapor.
Não é líquido, no entanto, que a poesia portuguesa através dos tempos não tenha também a ver com vinho: rimas a martelo, verdes e maduras, vilancetes palhetes, redondilhas digestivas, endechas generosas, sonetos em cascos de carvalho e odes da pipa a escorrer.
Claro como a água: muito tinto há-de ainda correr debaixo das pontes. Por isso, não vos tomamos mais tempo. Obrigado por terem vindo, que quando se fala de poesia o outro abaixa as orelhas.

a cerveja


A CERVEJA






-ESTÁS MUITO CALADO
-ESTOU A PENSAR
-E...
-E ACHO ESTRANHO
-ISTO É TUDO MUITO ESTRANHO, ESQUECE. BEBE UMA CERVEJA
-ACHO ESTRANHO QUE NINGUÉM TENHA CHAMADO A POLICIA
-E O QUE É QUE A POLICIA PODIA FAZER?
-SEI LÁ! PODIA CHAMAR OS BOMBEIROS!
-A POLICIA DE AQUI NÃO GOSTA DE BOMBEIROS. FAZEM TUDO O QUE PODEM PARA LHES DIFICULTAR A VIDA. PASSAM A VIDA A TELEFONAR-LHES COM FALSOS ALARMES DE INCÊNDIO. DEPOIS MULTAM-NOS POR EXCESSO DE VELOCIDADE E DESACATO É ORDEM PÚBLICA
-NÃO SEI, BRUCE, CONTINUO A ACHAR ISTO TUDO MUITO ESTRANHO!
-DEVE SER DO VINHO QUE BEBESTE. ESTÁS BÊBADO QUE NEM UMA VACA. BEBE UMA CERVEJA
-ACHAS QUE A SENHORA WILSON SABIA?
-A SENHORA WILSON É SURDA, NÃO PODIA SABER
-ALGUÉM LHE PODE TER MANDADO UMA NOTA
-SE MANDARAM, GASTOU-A, PROVAVELMENTE EM SELOS
-NÃO ACHO. QUERES QUE ABRA A JANELA?
-ABRE ANTES MAIS UMA CERVEJA!
-ANDAS A BEBER MUITO!
-NEM POR ISSO. COSTUMO PARAR PARA FAZÊ-LO. BEBER A ANDAR,OU ANDAR A BEBER NÃO ME DÁ JEITO, ENTORNO TUDO E FICO TRISTE
-PENSAS MUITO, É O QUE É. POR ISSO TE ENTRISTECES
-O RAPAZ DOS TELEGRAMAS CONTINUA A SER UMA PEÇA SOLTA NESTA ENGRENAGEM...
-ENTÃO É ISSO! EU JULGAVA QUE O BARULHO ERA DA BICICLETA , AFINAL A PEÇA SOLTA É ELE PRÓPRIO. FOI ISSO QUE O VELHO FORBES DIZ QUE OUVIU DEBAIXO DA JANELA.
-O VELHO FORBES NÃO SE PODE CONFIAR NELE. PASSA A VIDA A OUVIR COISAS. DESDE QUE AQUELA GRANADA LHE ESTOIROU OS TÍMPANOS QUE O VELHO FORBES OUVE COISAS, PRINCIPALMENTE GUINCHOS.
-.ISSO É VERDADE
-POIS É. VAI UMA CERVEJA?...
BARDAMERDA, VAI TU!

domingo, 3 de julho de 2005













Meti a chave á porta e ela lá estava. Sentada no sofá da sala. Tinha ligado a televisão e mal se mexeu quando entrei. Parecia mesmo que nem me via e lhe eram absolutamente indiferentes as imagens que se agitavam em silêncio no ecrã. O silêncio da casa, só era quebrado p’lo matraquear da ventoinha eléctrica, espalhando o ar em toda a volta, num gesto repetitivo e sincopado.
O cabelo levantava-se-lhe um pouco, de cada vez que a ventoinha soprava na direcção dela. E era o único movimento que se lhe apercebia, enquanto os olhos se lhe perdiam p’la sala, vagos, aparentemente fixando-se em nada e nada vendo. A morte. Há dias que a vejo sentada ali, sempre no mesmo sítio, sem esboçar um gesto ou intenção. Procuro-lhe o olhar e parece que está sempre a olhar para outro sítio, ou através do meu corpo, para além do fundo dos meus próprios olhos. Há alturas em que sinto a irritação subir-me p’lo peito e apetece-me gritar-lhe aos ouvidos palavras obscenas, beliscar-lhe a expressão ausente, sacudi-la p’los ombros. Outras vezes queria deitar todo o peso do meu corpo no colo dela e que a mão dela me acariciasse a cabeça, muito de leve, como a mãe ao filho que adormece, ou a virgem da pietá a um cristo descido da cruz. Mas ela continua ali sentada, sem um gesto ou reacção, como se não me visse, mas sabendo-me todos os gestos e pensamentos. Gostaria de a achar elegante e sentir-lhe o desejo e o encanto, mas, na verdade, acho-a uma seca e uma visita bastante estúpida e inconveniente.


26 maio 05 júpiter



EM CONTRAMÃO
TODA A VIDA FOI ASSIM
SEMPRE NOUTRA DIRECÇÃO
OUTRAS METAS OUTRO FIM
QUASE SEMPRE EM CONTRAMÃO
VENCENDO PONTES E RIOS
DESPISTANDO A SOLIDÃO
POR ATALHOS E DESVIOS

ESTOU COMO QUEM DIZ
CADA UM É P’RÓ QUE NASCE
OU COMO QUEM ACHE
QUE CADA UM É P’RÓ QUE CALHA
EM CALHANDO A SORTE FAZ-SE
SOBRE O FIO DE UMA NAVALHA

EM CALHANDO A SORTE FAZ-SE
OU ENTÃO COMPRA-SE FEITA
TAMBÉM DIZ (QUE) QUEM TORTO NASCE
TARDE OU NUNCA SE ENDIREITA
EM CONTRAMÃO
P’RABREVIAR A CONVERSA
DIZES SIM EU DIGO NÃO IGUALMENTE E VICE – VERSA


"Porque Gem'a Clara...
acto final
(por enquanto)


Clara - António, passas-me o sal...
António – Clara, isso já tem sal que chegue!
Clara – P’ra ti, talvez. Passas-me o sal?...
António – Acho que continuas a pôr sal demais na comida.
Clara – Nunca saberás o que é demais, enquanto não souberes o que é mais do que demais.
António – Coisa tão estúpida!
Clara – Li num livro.
António – Não faz sentido.
Clara – P’ra mim faz.
António – Não faz sentido nenhum. Em que livro?
Clara – Não me lembro.
António – Repetes o que lês, mas desconfio que nem sabes o que estás a dizer.
Clara – Dizes tu...
António – Como os papagaios...
Clara – Papagaio era o teu avô! Passas-me o sal, ou não?...
António – Toma.
Clara – Já está no fim!
António – Pois está. Amanhã, a ver se se compra.

quinta-feira, 28 de abril de 2005

belfaghor

é como te digo:
tudo o que não foi,
será
& ninguém
está disso defendido!

tudo o que não foi; será?!... Posted by Hello

e inauguro então, assim, a minha galeria de imagens no ciber'spaço... Posted by Hello

cenas conjugais 3

António - Que estupidez!
Clara - Que é que disseste?
António - É uma estupidez!
Clara - O que é que é uma estupidez?!
António - O Tempo.
Clara - Que tem o Tempo?!...
António - A forma como passa...
Clara - ISSO é que é uma estupidez. O Tempo não passa; nós é que passamos.
António - Passamos?!...
Clara - O Tempo não começa nem acaba nunca. Limita-se a ser coisa nenhuma. Em sendo, é. E é tudo.
António - E nós é que passamos?! Assim mesmo, por coisa nenhuma?!
Clara - Rasgando no espaço rugas de memórias, angústias de muitas mortes...
António - E é tudo?!...
Clara - Pequenas vitórias, amores frustrados, paranóias metafísicas, a lei da selva...
António - Nem tu própria acreditas nisso!
Clara - Guerras de nervos, coisas que não funcionam, as vacas loucas, o vaticano, a peste negra e outras merdas...
António - És uma porca.
Clara - Vejo a realidade. É tudo.
António - És na realidade uma porca.
Clara - Penso nas coisas.
António - Continuo a pensar que és uma porca.
Clara - Não, António. A nossa vida é que se tornou uma porcaria...
António - Porca, porca, porca!!!
Clara - Não adianta. Nem que fiques aí o resto da noite a bater à porca.

cenas conjugais 2

António – Estás a rir de quê ?
Clara – De nada. Não me estava a rir
António – Então, se não estavas a rir, estavas a quê?
Clara – Estava a quê, o quê?
António – Não estavas a rir...
Clara – Eu não!
António – Então estavas a quê?
Clara – Estava a nada. Estava normal!
António – Normal a rir !
Clara – A rir, como?! Estava assim!
António – Assim não. Estavas com cara de riso.
Clara – Cara de riso?! O que é isso, cara de riso?
António – Não estavas às gargalhadas... Cara de riso. Um sorrisinho.
Clara – Querias que estivesse como?! Cara fechada, a rosnar e a espumar pela boca?!
António – Não sejas parva! Estavas com um ar de gozo. Carinha de riso. Um arzinho palerma...
Clara – Palerma és tu! Pois se não me dói nada, queres que chore?
António – Não te dói nada! Corre-te bem a vida, a ti, hem Corre-te bem a vidinha?
Clara – Não corre, nem deixa de correr. Mas que porra te deu agora?! Saí-te na rifa?

António – Vês?! Vês?! Eu não dizia? Aí anda coisa!.

cenas conjugais 1

Clara - Nunca percebi os garfos de peixe
António - Há países onde o peixe se come à mão sobre uma folha de jornal
Clara - Não é lá muito higiénico
António - Deve ser tradição
Clara - E antes de haver jornais?!...
António - Não sei. Isso já não sei.
Clara - Não me cheira...
António - O quê?
Clara - Essa da tradição. E antes de haver jornais?!
António - Não sei. Já te disse que não sei.
Clara - Em folhas de palma, se calhar. Era bem mais bonito. O peixe estendido sobre uma folha de palma. O lombo dourado exposto à maresia da praia. Um vento almiscarado perfumando o ar. Olhos perdidos no horizonte enquanto as pontas dos dedos, primeiro mal tocando, como uma carícia, depois agarrando uma ponta, uma pequenina ponta, soltando-a, fazendo-a separar-se do corpo abandonado em oferta, levando-a aos lábios num gesto demorado. A língua primeiro, a língua sentindo a macieza dessa carne, os dentes depois, roubando dos dedos essa pequena, primeira e única porção tímida e generosa que o palato haveria de envolver em homenagem e luxuria ...
António - Papel de jornal.
Clara - Dizes isso só por dizer. Eu acho uma porcaria.
António - São costumes, o que é que queres? Vi na televisão.
Clara - Deve ser...
António - Vi na televisão.
Clara - Deves ter...
António - ´Tá bem. Fica assim. E o teu peixe, está bom?
Clara - Aqui para o meio está um bocado mal assado.
António - É o que faz as pressas...
nunca fui de muitas falas
converseta muito pouca
nem quando o sono me chama
lhe respondo ou abro a boca

perguntas porque é que não
respondo quando perguntas
e perguntas com razão
ainda bem que me perguntas

não te dê muito cuidado
o que penso realmente
na vida penso um bocado
como quase toda a gente

se um dia lhe dissesse
se um dia lhe contasse
pode ser mas não parece
que d’pois ‘inda me falasse