O trabalho que deu, até que se chegasse a acordo, sobre aquela enviesada caligrafia. Letra de bêbado!.. Ninguém se atrevia a dizê-lo abertamente, mas, o que mais os enfurecia era saber que estavam a ter aquela trabalheira toda, por causa de um bêbado. De um filho da mãe de um enfezado bêbado morto e enterrado há uma cabazada de anos e de quem agora se tinham descoberto uns inéditos e ininteligíveis gatafunhos! Um raio que os partisse! Um raio que partisse o tipo que os tinha desenterrado lá de onde estavam sossegados sem fazer mal a ninguém, nem falta ao mundo.
Mas, agora havia que os transcrever, de forma a que todo o mundo os pudesse ler. Os versos.
Porque eram versos, o que o filho da puta tinha escrito, na margem sebenta de um jornal desportivo... Versos inéditos, diziam os especialistas!
E parecia que eram mesmo versos. Nisso, estavam todos de acordo. Era fácil de perceber, pela mancha gráfica do texto no papel.
Agora, perceber o que lá estava escrito, é que era o diabo!
Queimaram-se pestanas, cigarros e argumentos , até que se chegasse a um consenso.
Dizer, que valeu a pena, seria quase uma provocação barata e metáfora rasteira. A verdade é que se revelaram uma surpresa insólita.
O espanto encavalitou-se nas costas da reverência, enquanto os académicos se apressavam a procurar o nome a dar a mais esta face oculta do ilustre falecido.
Resolveram chamar-lhe, provisoriamente, "poesia muito à frente". E dizia assim:

"Comprar cebolas
pagar a luz
telefonar ao vicente
e cravar-lhe 20 paus

a carlota
a carlota
a carlota põe-me doido"