terça-feira, 29 de abril de 2008




Conta-me como foi. É o nome de uma série que a RTP passa por estes domingos, já ao fim da noite e que retrata o Portugal dos anos 60. Miguel Guilherme é o actor que representa o papel do pai da família protagonista da série. Até aqui tudo bem e reticências. Reticências porque a história começa aqui. No momento em que o jornal 24 Horas se cruza com Miguel Guilherme no Bairro Alto. Miguel Guilherme ele próprio, o actor, neste caso o cidadão. Diz assim a breve do 24, na página dedicada aos famosos: Miguel Guilherme passou pelo Bairro Alto este fim-de-semana. Continua a breve dizendo que foi visto a subir a rua do elevador da Bica. E diz ainda que ia sozinho. Mas de copo na mão. A notícia é clara nesse particular, Miguel Guilherme levava um copo na mão, na madrugada de sábado, quando o 24 Horas o viu a subir o elevador da Bica. Remata a notícia que Miguel Guilherme, apesar de estar sozinho, o actor se terá cruzado com alguns colegas de profissão com quem ficou à conversa.
E pronto. É só isto. A notícia não diz mais nada. O que é francamente preocupante e quase grave. Então Miguel Guilherme foi visto a subir a rua do elevador da Bica sozinho!? Na fotografia, que ilustra a breve, o actor aparece de casaco beije e camisa rosa desabotoada e sem gravata. A expressão é de facto de quem foi visto a subir o elevador da Bica sozinho. A verdade é que também podia retratar a cara de quem tivesse subido o elevador do Lavra, ou o da Glória. Podia mesmo ter até acabado de descer pelo de Santa Justa, que a cara não o haveria de desmentir, se fosse esse o caso. Mas não. Foi o da Bica, que aí vale o texto da breve para nos esclarecer. Por esclarecer fica entretanto a questão do copo que o actor alegadamente levava na mão. Cheio? Vazio? Meio cheio, ou meio vazio que, como se sabe, é uma velha questão filosófica que já fez secar muitas gargantas, sem grande consequência, para além de avaliar o estado de espírito de cada um?... Sabe-se que há quem prefira a primeira versão, quem prefira a segunda, conforme o optimismo da hora e da personagem em questão. Por isso adiante. E na hipótese do copo estar cheio?... Cheio de quê? E terá Miguel Guilherme conseguido vencer a subida com o copo cheio na mão e sem verter uma gota?
E o “apesar”, que abre o último período da prosa?... "Apesar de estar sozinho, o actor cruzou-se com alguns colegas de profissão, com quem ficou à conversa.” E se fosse acompanhado, excluía-se a hipótese de Miguel Guilherme encontrar mais alguém conhecido na rua, nessa madrugada e ficar à conversa? Claro que se fosse já acompanhado, enquanto subia a Bica, Miguel Guilherme talvez se demorasse um pouco menos na conversa com quem quer que fosse que encontrasse no caminho. E claro está – e ainda mais por maioria de razões – se a companhia fosse uma namorada – vamos supor – é também muito provável que o actor fizesse, o que se chama, vista grossa, aos transeuntes, que em matéria de amores e namoricos, mais que dois é já um engarrafamento…
Mas não. O jornal diz que o actor ia sozinho e que apesar disso encontrou uns amigos e ficou à conversa. É estranho. Quase insólito, mas foi o que aconteceu. A garantia é dada pelo jornal e nós só temos de acreditar, por mais bizarro que pareça.
Talvez a urgência do fecho de edição tenha impedido o intrépido repórter do 24 Horas de seguir o curso dos acontecimentos e respectivo desfecho.
Ficamos sem saber coisas fundamentais como: que levava Miguel Guilherme no misterioso copo? E o copo, ele próprio, era daqueles de plástico ordinário, ou cristal de Alcobaça?
E a tal conversa? Falaram de quê? E cumprimentaram-se como? E quantos amigos eram? Amigos recentes, ou de longa data? E cumprimentaram-se como? Um abraço efusivo e ruidoso? Um curto aceno de cabeça? Um aperto seco de mãos? E quem, cumprimentou primeiro quem? E com que mão o fez?
Enfim, são esta e outras angustiantes perguntas que nos ficam sem resposta. A menos que se consiga chegar à fala com o próprio. Com o actor Miguel Guilherme e pedir-lhe humildemente: Conta-me como foi…

1 comentário:

coelho disse...

A coisa em si é parva.. O que agradeço é que cá estejas p'ra no-la mostrar e fazer rir.

beijinho