sexta-feira, 27 de abril de 2007




“Continuamos hoje, portanto…”olhava para as mãos com ar distraído, enquanto, com as orelhas, ia espantando as moscas que lhe voavam à volta da cabeça. A voz saia-lhe arrastada e monocórdica, mal sobressaindo do ruído de fundo, dos carros passando, lá em baixo, na rua.
“Continuamos hoje, portanto, a falar das consequências nefastas…” – sublinhava sempre o “nefastas” com uma lentidão exasperante e ridícula! Há pessoas que têm um jeito especial para pronunciar certas palavras de forma a torná-las odiosas! Era este o caso.
“Nefastas! Dos efeitos imprevisíveis; dos danos irreversíveis...” – e balançava o corpo para a frente, acompanhando a cadência das sílabas, num movimento untuoso e pendular. E ao fazê-lo, esticava a cabeça de uma forma absurda, que lhe dava o ar de pássaro bêbado. Por vezes, era difícil conter o riso…
“Falar-vos dos perigos escondidos debaixo dos tapetes semânticos e das mantas semióticas com que se cobrem as línguas de trapos!” – sempre gostara de frases extensas e pomposas. Enfim, nem sempre. Houve uma fase em que não disse nada, outra em que não dizia nada que se aproveitasse e uma outra em que só dizia a palavra: “fungas”. Enfim, fases…
“Alertar-vos para as múltiplas e complexas ambivalências e dissemias com que se confronta a comunidade actual, enquanto tal…” – aqui, ele sabia que a polémica era mais que certa. Toda a Academia se agitava, há muito, à volta deste problema. Uns defendiam que se deveria entender a comunidade actual enquanto tal; outros que ela deveria ser entendida enquanto coisa e tal; outros ainda, que a avaliação deveria ter em conta tal e coisa… Enfim, critérios!

….


E por agora, chega !
Arre gaita.

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