quinta-feira, 20 de setembro de 2007

a pega rabuda

Diz que, em Trás os Montes, foram detidos dois suspeitos, acusados de cultivo e posse de marijuana. Foram encontrados com droga já pronta a vender, outra ainda em fase de cultivo, outra ainda em semente e armas e munições e material diverso próprio deste tipo de actividades criminosas. Agora, o que se diz, também, é que foram igualmente apreendidas gaiolas e armadilhas de armar aos pássaros, para além de algumas aves, que foram entregues à guarda da Universidade de Vila Real ! Aves em vias de extinção? Espécies protegidas? Para posterior interrogatório, ou prova testemunhal?... É o que se fica sem saber! Sabe-se é que, no caso, foram duas rolas, dois melros, dois pintassilgos e uma pega rabuda.
É bem possível que seja até crime maior, que plantar droga no quintal, isto de ter passarada desta debaixo de telha... mas não deixa de surpreender. Resta saber que processo avança primeiro em tribunal; se o de posse e alegado tráfico de estupefacientes, ou o de posse e cativeiro de passarinhos...
Mas estranheza mesmo é essa minúcia, esse rigor de leitura e interpretação da lei - e é escusado acusar-se os jornalistas de alarmismo, ou manchete fácil - porque a verdade é que ele há condenados que podem e estão a ser libertados, alguns com pouco mais de meia dúzia de meses cumpridos de sentença e falamos de casos em que, porque foram considerados culpados da morte de pessoas , as penas aplicadas ultrapassavam os 20 anos de prisão efectiva... Alguns considerados perigosos, ou, p'lo menos, bastante violentozinhos.
Porque a letra do novo Código do Processo Penal o permite.
Alguns jornais dizem hoje que não deve haver, neste momento, detido nas cadeias portuguesas que não esteja a ver como interpor o recurso, que force a Justiça Portuguesa a reabrir o processo. E a abrir mais uns quantos dossiers e ficheiros e pastas. E a ouvir mais alegações e depoimentos. E a convocar mais umas quantas partes, algumas, se calhar, já em parte incerta, o que vai dar trabalho e levar tempo até conseguir juntar toda a gente...P'lo menos, o tempo suficiente para queimar os novos prazos legais e abrir a porta a uma eventual libertação incondicional.
É mentira! A Justiça não é cega, como na metáfora... Não é da vista, que ela sofre! Aliás, se repararmos bem nas imagens, que dela a História foi desenhando, vê-se claramente que ela tapa ostensivamente os olhos com uma venda de pano. Ela vê, tem é os olhos tapados! Vê perfeitamente, se lhe tirarem a venda. Vê até bem demais. VÊ o pormenor como mais ninguém vê. VÊ a letra pequena, a mais pequena que houver. A vírgula que tudo subverte. A sub alínea que tudo define e decide. E prende-se de tal forma à letra da Lei, que por vezes - não a acordem! - parece perdida num outro mundo, que, por muito perfeito e justo, não é este, onde vivemos.
Não, não. Não senhores, meus amigos, não é da vista que ela sofre. É da saia travada com que a vestiram para a posteridade e alegoria! Saia travada que lhe tolhe o passo, que a faz avançar assim, com passinhos de pintassilgo, ou pega rabuda. Tacteando, avançando a espada como bengala de cego; erguendo a balança como lanterna de Diógenes. Rezando a Deus para que nada se lhe atravesse no caminho e a faça cair.
A ela, ou aos belos edifícios semânticos, que vai construindo e arrumando em Códigos Penais e Penosas Sebentas.

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